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Exclusivo – Sistemas agroflorestais: o caminho da regularização ambiental para os pequenos produtores

*Artigo de Cícero Ramos

O Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012) estabelece que todo imóvel rural localizado na Amazônia Legal deve manter uma área com cobertura de vegetação nativa, respeitando os seguintes percentuais de Reserva Legal: 80% em áreas de florestas, 35% em áreas de cerrado e 20% em áreas de campos gerais. Nas demais regiões do país, o percentual mínimo é de 20%.

Para as pequenas propriedades rurais — definidas pela Lei da Agricultura Familiar como aquelas com até quatro módulos fiscais — que apresentavam déficit de Reserva Legal anterior a 22 de julho de 2008, data considerada como marco legal, não é obrigatória a recomposição ou regeneração natural dessas áreas. No entanto, quando ocorrem desmatamentos não autorizados após essa data, os pequenos produtores rurais enfrentam dificuldades para a regularização ambiental de suas propriedades.

Essa realidade é recorrente em Mato Grosso e em outras regiões do país, onde essa falta de regularização ambiental compromete o acesso ao crédito rural e expõe os produtores ao risco de sanções, como a possibilidade apreensão da produção. Diante desse cenário, é essencial buscar soluções que conciliem a regularização ambiental com a continuidade da produção agrícola, é fundamental que as políticas públicas levem em conta as particularidades dos pequenos produtores rurais, assegurando que o cumprimento das exigências legais não inviabilize sua subsistência.

Sistemas agroflorestais são formas de uso e manejo da terra no qual árvores ou arbustos são utilizados em consórcio com culturas agrícolas, forragens e/ou integração com animais, promovendo a sustentabilidade e a produtividade, no entanto, ainda não há respaldo legal que permita sua utilização na recomposição da Reserva Legal em áreas desmatadas após 22 de julho de 2008, especialmente em pequenas propriedades rurais.

Uma proposta alinhada aos compromissos do Acordo de Paris (que prevê a restauração de 12 milhões de hectares de florestas no Brasil até 2030) —, seria a proposição de um projeto de lei, por parte do deputados federais, para modificar o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012). Essa alteração permitiria o reconhecimento dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) como uma forma legítima de recomposição da Reserva Legal nessas pequenas propriedades, com critérios técnicos definidos em regulamento específico.

Para que essa proposta seja viável, é essencial que o poder público, em parceria com instituições privadas, ofereça incentivos financeiros — como linhas de crédito com juros reduzidos — que ajudem a cobrir os custos iniciais da restauração. Parcerias com empresas interessadas em compensar suas emissões de carbono e o apoio a projetos de pesquisa podem fortalecer e expandir essa estratégia. Além disso, a participação de profissionais capacitados, como engenheiros florestais e agrônomos, é indispensável para garantir a eficiência técnica e a continuidade das ações de restauração e produção integrada.

Essa abordagem permitiria alcançar o equilíbrio entre a regularização ambiental e a manutenção da atividade produtiva, oferecendo uma solução prática e sustentável para pequenos produtores, especialmente em estados como Mato Grosso e em assentamentos rurais por todo o país. Ao integrar floresta, lavoura e pecuária em uma mesma área, os Sistemas Agroflorestais promovem o uso eficiente do solo, recuperam áreas degradadas e geram renda para os agricultores.

Sem viabilidade econômica, a recuperação desses passivos ambientais torna-se quase impossível para muitos pequenos produtores, que muitas vezes não dispõem dos recursos financeiros necessários. Por isso, é urgente ir além das diretrizes teóricas e construir um roteiro de implementação realista e acessível. A adoção de SAFs representa uma estratégia eficaz para restaurar a Reserva Legal, pois alia produção agrícola com regeneração ambiental, garantindo renda e segurança para o produtor.

Além de contribuir para a regularização ambiental, essa proposta facilitaria o acesso ao crédito rural e a programas de incentivo, melhorando a qualidade de vida dos pequenos agricultores e promovendo sua inclusão social. A restauração ecológica, inclusiva e econômica representa não apenas uma necessidade, mas uma oportunidade para o Brasil liderar globalmente a transição para um futuro mais sustentável. Essa abordagem pode gerar empregos, renda, produção de alimentos e remover toneladas de dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera, unindo a agenda socioeconômica com a mitigação da crise climática

Ao integrar a conservação ambiental à realidade econômica dos pequenos proprietários, o Brasil poderá demonstrar na COP30 seu comprometimento com os objetivos do Acordo de Paris de plantar 12 milhões de hectares de floresta até 2030. Isso mostrará que é possível conciliar desenvolvimento econômico com conservação ambiental, construindo um modelo de restauração que beneficia tanto o meio ambiente quanto as comunidades que dele dependem.


*Cícero Ramos é engenheiro florestal e vice-presidente da Associação Mato-grossense dos Engenheiros Florestais.

Imagem destaque: Portal Embrapa.

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Brasil – Plantio de árvores nativas da Amazônia recupera áreas de preservação permanente

O plantio de espécies nativas para recuperação de áreas de preservação permanente e a implantação de SAFs são recomendados para restauração florestal na região amazônica

  • O plantio de espécies nativas – florestais e frutíferas –  é a forma mais indicada de recuperação de áreas de preservação permanente na agricultura familiar da região amazônica.
  • Já na recuperação das áreas de reserva legal a implantação de Sistemas Agroflorestais é a estratégia adotada por agricultores e técnicos.
  • Essas recomendações resultam de trabalho participativo conduzido pela pesquisa junto a agricultores familiares do Sudeste do Pará.
  • O objetivo do trabalho é reduzir o desmatamento e melhorar a condição socioprodutiva dos agricultores.
  • Tecnologias e alternativas de baixo custo para os plantios são adotadas na região, além de estratégias de construção coletiva do conhecimento.

Trabalho participativo da pesquisa junto a agricultores familiares do Sudeste do Pará revela que o plantio de espécies nativas – florestais e frutíferas – é a forma mais indicada de recuperação de áreas de preservação permanente na região amazônica.  Para as áreas de reserva legal, a recomendação é a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs).

Realizado no projeto de assentamento Mamuí, no município de Itupiranga, o trabalho aposta na adoção de estratégias de baixo custo de restauração florestal, como o plantio de sementes pré-germinadas e mudas de espécies já existentes no local. O objetivo maior da iniciativa é reduzir o desmatamento e melhorar a condição socioprodutiva dos agricultores familiares na Amazônia.

O Sudeste do Pará concentra uma grande quantidade de projetos de assentamentos que abrigam milhares de famílias de agricultores. Em geral, a ocupação cumpre uma lógica de abertura de áreas de floresta para atividades produtivas, seguindo o processo tradicional de derrubada e queima. “Os locais próximos a nascentes e igarapés são os mais visados para derrubada. É uma estratégia do pequeno agricultor instalar a casa nesses locais, para ter acesso à água e afastar animais peçonhentos”, explica o pesquisador Ademir Ruschel, da Embrapa Amazônia Oriental.

Essas áreas, no entanto, são consideradas pela legislação como de preservação permanente e o seu desmatamento gera um passivo ambiental para a propriedade. Também compõem o quadro de degradação ambiental a agricultura e a pecuária com baixa adoção de tecnologia, caracterizada pela derruba e queima, e que dependem do abandono e reabertura de novas áreas para renovar a fertilidade do solo.

A região é um dos pontos de implantação das ações do Inovaflora, um dos 19 projetos que fazem parte do Projeto Integrado da Amazônia (PIAmz), parceria entre a Embrapa e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com ações financiadas pelo Fundo Amazônia.

No projeto de assentamento Mamuí, por meio da troca de experiências, informações e tecnologias e da construção coletiva do conhecimento, a equipe e os agricultores implantaram sistemas de recomposição com base na diversidade de espécies florestais nativas, frutíferas, e outros cultivos agroalimentares já utilizados ou de interesse das comunidades.

Tecnologias e diversidade para produzir sem desmatar

“Levamos tecnologias e construímos alternativas com os agricultores para que eles possam se adequar à legislação e produzir mais em suas áreas”, explica a engenheira florestal Michelliny Bentes, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e coordenadora do Inovaflora.

Segundo a pesquisadora, um dos principais gargalos nos trabalhos de recuperação envolve os custos com a produção ou aquisição de sementes, mudas e insumos, e com adubação, viveiros e transporte até as áreas de plantio. “Esses custos são altos na Amazônia. A obtenção de sementes de espécies florestais nativas é outro gargalo, assim como o conhecimento sobre seu desenvolvimento germinativo”.

Para contornar as dificuldades, a equipe do projeto avaliou em conjunto com a comunidade a utilização da técnica de plantio de sementes escarificadas ou pré-germinadas, que, entre outros benefícios, diminui os custos na etapa de viveiro (semeadura, repicagem e condução) e no transporte até o local definitivo de plantio.  “É uma técnica simples e barata que pode ser adotada pelo produtor com facilidade”, explica o pesquisador Ademir Ruschel, integrante do projeto

Nessa técnica, as sementes das espécies escolhidas germinam diretamente sobre o solo, protegidas por uma cobertura de palha umedecida, e depois são levadas para o plantio nas áreas de recuperação. “No fim do processo, elas se desenvolvem tão bem quanto uma muda que começou num saquinho com substrato e protegida pelo viveiro, ou mesmo avantajada, por preservar a formação radicular, principalmente mantendo a raiz pivotante provida da coifa, o que fisiologicamente favorece à saúde da planta”, avalia Ruschel.

Seguindo essa técnica, nas áreas de preservação permanente escolhidas para recuperação, as sementes escarificadas ou pré-germinadas foram plantadas de forma adensada e no dobro da quantidade de indivíduos previstos. “Isso em função da previsão de perda por mortalidade natural (seleção), condições ambientais adversas e entrada de animais e de que nem todos tratos silviculturais seriam aplicados até o fim do estabelecimento das espécies plantadas. Mesmo assim, na última avaliação – três anos após o plantio -, a sobrevivência se mostrou superior a 50%”, explica Ruschel.

Também nesses locais, foram plantadas diversas mudas de espécies florestais fornecidas por viveiros para uma maior diversidade de espécies. A produção de mudas em viveiro deve ser aliada à técnica de plantio direto de sementes, principalmente em virtude da necessidade de armazenamento e período de plantio. “Sugerimos frutíferas nativas, a exemplo do bacuri, açaí, taperebá, castanha-do-Pará, piquiá, graviola, cacau, cupuaçu, ingá, uxi, buriti, puxuri, e espécies que fornecem óleos e resinas, como andiroba, cumarú, pracaxi, e copaíba”, completa.

O açaí nativo (Euterpe oleracea) foi outra aposta dos técnicos e dos agricultores nas áreas de preservação permanente, conta Michelliny Bentes. “Com isso o projeto conseguiu conciliar dois objetivos: reintroduzir uma espécie nativa no seu habitat natural e promover a atração da fauna e o aumento da polinização, que se destaca com um dos mais nobres serviços ecossistêmicos para a restauração ecológica”, explica.

Mais de 50 espécies arbóreas nativas, algumas já praticamente escassas na região, foram introduzidas nas áreas de preservação permanente que anteriormente estavam cobertas com pasto e uma regeneração secundária empobrecida. Entre elas jatobá, amarelão, mogno-brasileiro, maranhoto, timborana, pau-preto, jarana, sumaúma, fava-arara-tucupi, angelim-branco, oiti, bacaba e bacuri.

Fotos acima: Vinícius Braga.

SAFs para a reserva legal

Do grupo de oito agricultores que aderiram à recuperação das áreas de preservação permanente, três também tiveram interesse em recuperar a reserva legal. Nesse trabalho, foram implantados sistemas agroflorestais em parcelas de 3.500 metros quadrados divididos em três componentes: núcleo de produção, frutíferas de pequeno porte e essências florestais nativas. O primeiro é o que reuniu o maior número de plantas distribuídas entre açaizeiro, bananeira e cacaueiro.

A família do agricultor Antônio Maurício é uma das que começaram a recomposição da reserva legal. O agricultor (foto à esquerda) adotou um sistema agroflorestal para recuperar uma nascente localizada no seu lote. “Foram 45 mudas de banana, 90 de açaí, 90 de cacau, além de mogno, andiroba, buriti e ipê. Tudo para proteger a água da minha área”, conta. Ele tem observado que a vegetação das nascentes é condição fundamental para manter a qualidade da água. “As nossas áreas de preservação permanente devem estar cobertas com vegetação nativa e produtiva também. Se descobrirmos tudo, isso compromete a qualidade da nossa água”, acredita.

A pesquisadora Michelliny Bentes destaca que um importante benefício ecológico observado nas avaliações a campo, nas áreas do projeto de assentamento Mamuí, é a formação de pequenos corredores ecológicos, que estão se interligando à reserva legal das propriedades. “No médio prazo, teremos uma nova formação florestal trazendo mais benefícios às famílias de agricultores, além da produção diversificada com os SAFs que também já começam a dar os primeiros resultados de produção”, finaliza Bentes

Foto do agricultor: Enilson Solano.

Seu João e a restauração florestal

A animação, inspirada na experiência do projeto Inovaflora, no Sudeste do Pará, mostra a história do seu João, personagem fictício que representa um pioneiro na ocupação de lotes na Amazônia. O reflorestamento com espécies nativas foi a solução encontrada para melhorar a condição produtiva do lote e promover a adequação ambiental.

Benefícios que vão além do ambiente

A pesquisa aponta diferentes estratégias de restauração e a escolha de uma depende do contexto local e dos objetivos da intervenção na área, que podem ser resgatar os serviços ecossistêmicos, melhorar a produção agropecuária e florestal ou diminuir passivos ambientais. Entre as estratégias estão a reabilitação produtiva da área; o reflorestamento com sistemas integrados de produção, como Sistemas Agroflorestais e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF); o reflorestamento com plantio de espécies arbóreas; e a regeneração natural.

Joice Ferreira, também pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, explica que os serviços ecossistêmicos são funções que os ambientes naturais provêm para os seres humanos. “A polinização, a produção e qualidade da água, do solo e outros são exemplos. A restauração tenta justamente resgatar esses serviços que foram perdidos a partir do desmatamento e degradação. Trazendo a floresta de volta, permitimos o aumento da produção de água, de frutos, de culturas agrícolas, de alimentos e outros serviços”, acrescenta.

Em locais onde o uso da terra é mais recente, com a presença de florestas remanescentes por perto, a regeneração natural, que envolve somente o isolamento da área, é uma boa estratégia, segundo os especialistas. Já em áreas que foram abertas há mais tempo e onde não existem florestas por perto, o reflorestamento com o plantio de espécies nativas e também a implantação de sistemas integrados são mais indicados.

“É importante que o agricultor tenha consciência que esse ambiente é uma área que vai ser perenizada. Então a restauração ou recuperação desse ambiente degradado tem que ser atrativa para o agricultor com o uso de sistemas de baixo custo e também com a obtenção de benefícios”, ressalta o pesquisador Ademir Rushell. “A recuperação pode, portanto, desempenhar a função de restaurar o ambiente e trazer benefícios sociais e econômicos ao agricultor”, conclui.

Foto: Enilson Solano.

Informações: Portal Embrapa.

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