*Artigo por Flávia Antunes
Em tempos de COP30, o Brasil reúne duas forças que o colocam em posição única no cenário global: uma matriz elétrica composta por cerca de 90% de fontes renováveis e mais de 500 milhões de hectares de vegetação nativa. Energia e natureza são pilares complementares de uma mesma estratégia: impulsionar o desenvolvimento sustentável e posicionar o país como protagonista da economia de baixo carbono.
Há um paralelo evidente entre o setor elétrico e o de SbN (Soluções Baseadas na Natureza). Ambos compartilham o mesmo propósito de reduzir emissões, gerar empregos verdes e promover resiliência climática, embora partam de fundamentos distintos. Enquanto o setor elétrico se baseia em infraestrutura, tecnologia e redes para viabilizar a transição energética, as SbN utilizam a restauração e a conservação dos ecossistemas como instrumentos para remover carbono da atmosfera. Unindo essas duas frentes, o Brasil pode se tornar um verdadeiro hub de soluções climáticas integradas.
O setor elétrico brasileiro consolidou-se nas últimas décadas como um caso de sucesso em governança e previsibilidade. Com um marco regulatório sólido há mais de 25 anos, planejamento centralizado e concessões que equilibram risco e retorno, o país construiu um sistema interligado, capaz de atender de forma estável um mercado consumidor universalizado e em crescimento. Essa estrutura permitiu resultados expressivos também no campo climático: a expansão planejada da matriz nacional pode reduzir até 176 milhões de toneladas de CO₂ por ano até 2050, o equivalente a 42% das emissões atuais do setor energético e 11% das emissões líquidas nacionais.
As SbN, por sua vez, começam a trilhar caminho semelhante, ainda que em estágio menos maduro. A aprovação do SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões), em dezembro de 2024, foi um marco fundamental para trazer segurança jurídica e previsibilidade aos investidores. O setor tem atraído atenção crescente: empresas de tecnologia, aviação e finanças já movimentam cerca de R$ 200 bilhões em créditos de carbono, com forte apetite por projetos brasileiros. Iniciativas como a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura garantiram US$ 2,6 bilhões para projetos de bioeconomia e restauração, com a meta de erradicar o desmatamento ilegal até 2030.
Ainda assim, os desafios permanecem significativos. O país precisa expandir a rede de viveiros florestais, padronizar custos e certificações, mitigar riscos cambiais e construir referências públicas de preço para os créditos de carbono. É justamente nesse ponto que o paralelo com o setor elétrico ganha força: a estrutura regulatória, o modelo de concessões e o planejamento plurianual que sustentaram o crescimento do setor de energia podem inspirar o avanço das SbN.
Assim como a energia renovável se viabilizou com políticas de incentivo de longo prazo, o setor florestal também demanda mecanismos financeiros específicos como linhas de crédito, subsídios e instrumentos que garantam estabilidade e segurança para novos investimentos. O papel do Estado é essencial, seja pela atuação de instrumentos como o Fundo Clima e o Eco Invest, seja pela criação de condições estáveis para o investimento privado. A experiência do setor elétrico mostra que estabilidade regulatória, transparência e parcerias público-privadas bem estruturadas são os alicerces para destravar escala e competitividade.
É dessa convergência entre natureza e energia que nasce a Carbon2Nature Brasil, joint venture da Neoenergia com a Carbon2Nature, da Iberdrola, dedicada ao desenvolvimento de soluções baseadas na natureza. No Sul da Bahia, a empresa se uniu à Biomas para restaurar uma área degradada de 1,2 mil hectares com árvores nativas, o que representa o plantio de mais de 2 milhões de mudas de 70 espécies até 2027. O projeto, batizado de Muçununga, prevê a geração de aproximadamente 525 mil créditos de carbono em 40 anos, cada um equivalente a uma tonelada de CO₂ removida da atmosfera. Trata-se de um modelo em que a restauração é financiada pelos próprios créditos de carbono gerados, combinando sustentabilidade ambiental e viabilidade econômica.
O futuro do Brasil depende dessa integração. O país tem condições únicas de liderar a transição global para uma economia de baixo carbono, unindo a solidez do seu setor elétrico à força transformadora das suas florestas. Ao replicar nas SbN a mesma lógica de governança, planejamento e transparência que estruturou o setor de energia, o Brasil pode mostrar ao mundo que é possível crescer, inovar e proteger o planeta ao mesmo tempo. A hora é agora. A COP 30 será o palco ideal para reafirmar esse protagonismo.

*Flávia Antunes é chief operating officer da Carbon2Nature Brasil.










