Bilhões em investimentos e metas ambiciosas contrastam com a crise do setor produtor de sementes e mudas nativas, que pode inviabilizar o futuro da restauração florestal brasileira

O Brasil se encontra em um paradoxo quando o assunto é restauração florestal. Enquanto grandes empresas anunciam vultosos investimentos privados para a recuperação de milhões de hectares de florestas nativas nas próximas décadas, e o país se compromete com ambiciosas metas no Acordo de Paris, o setor produtor de sementes e mudas nativas enfrenta um período de baixa demanda preocupante, ameaçando a viabilidade de um pilar essencial para o cumprimento desses objetivos.

Os anúncios de investimentos privados em restauração já somam a impressionante marca de 6 milhões de hectares. Esse volume, aliado à meta brasileira de 12 milhões de hectares a serem restaurados até 2030, conforme o Acordo de Paris, projeta uma demanda por mudas nativas na casa dos bilhões de unidades e milhões de toneladas de sementes. Um cenário que, à primeira vista, indicaria um boom para o setor.

Nativas Brasil alerta para o descompasso

A Nativas Brasil – Associação Brasileira dos Produtores de Sementes e Mudas Nativas, que em apenas quatro anos já congrega mais de uma centena de produtores de todos os biomas do país, tem atuado para fortalecer seus associados, buscando aprimorar a qualidade e a capacidade de entrega de mudas e sementes. No entanto, o esforço da associação esbarra na falta de compreensão, valorização e apoio ao setor. “É fundamental que os compradores de sementes e mudas entendam as particularidades dessa atividade produtiva – cada espécie tem sua época de frutificação, seu tempo de germinação e de produção – reconheçam os riscos enfrentados pelos produtores e planejem suas compras com a antecedência necessária”, afirma Rodrigo Ciriello presidente da Nativas Brasil, e sócio-diretor da Futuro Florestal.

A urgência é real: para atender a apenas 30% da meta brasileira de 12 milhões de hectares, a produção atual dos viveiros precisaria ser multiplicada por quatro. Isso demonstra o abismo entre a capacidade de oferta existente e a demanda projetada para as metas públicas e privadas de restauração.

Crise no campo: produtores consideram mudar de ramo

De forma alarmante, o primeiro trimestre de 2025 tem sido marcado por uma baixíssima demanda por sementes e mudas nativas. A situação é tão crítica que associados da Nativas Brasil estão ponderando deixar a atividade para se dedicar à produção de mudas de espécies exóticas, como eucalipto, cuja demanda é garantida pela indústria de celulose e outras finalidades, e alguns fechando definitivamente sua atividade produtiva no setor, alguns associados da Nativas Brasil se desligaram da entidade entre 2023 e 2025 justamente por este motivo.

Essa tendência, caso se consolide, representaria um golpe duro para a restauração florestal no Brasil. “O país não pode abrir mão de um único produtor”, ressalta Ciriello. Pelo contrário, o número de produtores precisa crescer. Contudo, a realidade dos últimos dez anos aponta para o encolhimento da base de produção de mudas nativas, com o fechamento de diversos viveiros que não conseguiram suportar a falta de apoio financeiro e a pressão econômica.

O futuro da restauração florestal no Brasil, apesar dos ambiciosos planos, depende intrinsecamente da capacidade de o país valorizar, apoiar e sustentar o setor produtor de sementes e mudas nativas. Sem ele, os bilhões de investimentos e as metas de reflorestamento podem se tornar apenas números em papel.

Inovação e sustentabilidade impulsionam produção de mudas nativas

A restauração florestal no Brasil está ganhando um novo impulso com a adoção de tecnologias inovadoras. O uso de recipientes biodegradáveis de papel é uma das principais inovações, facilitando a produção, transporte e plantio de mudas, além de eliminar a necessidade de logística reversa de plásticos e reduzir o impacto ambiental.

Embora tecnologias como automação e sistemas de gestão sejam mais comuns na indústria de eucalipto, o setor de mudas nativas está buscando adaptações para atender à sua diversidade biológica. A Nativas Brasil, por exemplo, está em contato com fornecedores de software para adequar essas soluções às necessidades das espécies nativas. Além disso, o uso de microrganismos, bioinsumos e fertilizantes de liberação lenta também contribui para o desenvolvimento e resistência das mudas.

Tubetes em papel biodegradável.

Para que essas inovações atinjam todo o seu potencial, é crucial que o setor de produção de sementes e mudas nativas receba mais reconhecimento e investimento em pesquisa. “Esta realidade vai mudar à medida em que o setor for sendo reconhecido e valorizado. Quanto investimento há para pesquisa e inovação no setor de produção de sementes e mudas nativas?”, questiona Ciriello.

Sementes do Amanhã: biodiversidade e diversidade genética para a restauração

Um novo projeto, “Sementes do Amanhã”, surge para elevar a qualidade das restaurações florestais no Brasil. A iniciativa focará no plantio de matrizes de diversas espécies nativas de cada bioma onde se localizam seus associados para melhorar os bancos de produção de sementes nativas, garantindo maior oferta, rastreabilidade e, principalmente, enriquecendo a diversidade genética do material produzido com o foco em gerar “florestas viáveis”.

Atualmente, a falta de regulação e o alto custo levam ao uso de poucas espécies e baixa diversidade genética, o que é um risco para as futuras florestas restauradas. O projeto busca viabilizar o trabalho dos produtores, oferecendo mudas nativas de alta qualidade sem elevar custos, e propõe a abertura de novos mercados para espécies nativas (paisagismo, arborização urbana, silvicultura de nativas, agroflorestas etc).

A Nativas Brasil, à frente da iniciativa, pretende melhorar a qualidade genética das sementes e mudas e reduzir os custos de produção, especialmente na coleta, que hoje é um gargalo. “O projeto está em fase de desenvolvimento. Em breve a Nativas Brasil vai começar a captar recursos para o Sementes do Amanhã”, informa Ciriello.

Em celebração ao Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06), a Nativas Brasil realizará uma aula aberta do Curso de Capacitação para Produtores de Sementes e Mudas Nativas. O tema central será o Projeto Sementes do Amanhã, apresentado pelo Prof. Antonio Higa, especialista e consultor do projeto. A aula também contará com falas sobre biodiversidade e produção sustentável com a viveirista Marina Figueira de Mello, além de estudos de caso sobre pomares nativos, como o Programa Arboretum (com Viviane Barazetti) e o projeto ProMudasRio, apresentado pela vice-presidente Bárbara Pellegrini. Para participar é só inscrever-se aqui.

Sobre a Nativas Brasil

Nativas Brasil é uma organização que reúne e representa os produtores de sementes e mudas de espécies vegetais nativas dos biomas brasileiros e que se dedica à ampliação dessa rede – a base da cadeia da restauração ecológica e produtiva, como a silvicultura de nativas. Criada em 2021, tem como objetivo organizar o setor fortalecê-lo, ampliar a oferta de espécies nativas de alta qualidade e diversidade. Objetiva, também, promover o diálogo e dar voz às necessidades e aos posicionamentos desse coletivo nos fóruns de representação existentes nas três esferas de governo, assim como perante a iniciativa privada nacional e internacional. Tem como meta, valorizar as florestas brasileiras, com toda a diversidade que encerram, não só preservando, mas criando meios para restaurar áreas degradadas com espécies nativas, seja com viés ecológico, econômico, ou até com o misto entre esses dois formatos, possamos regenerar as paisagens degradadas pelo homem, trazendo de volta a beleza cênica e a recuperação dos ecossistemas. Com as florestas que ajudamos a restaurar aprendemos que a colaboração é a chave do negócio.

Associados Nativas Brasil, no 1º Encontro Nacional da Nativas Brasil, no Legado das Águas, reserva privada de Mata Atlântica mantida pela Reservas Votorantim.

Para mais informações acesse www.nativasbrasil.org.br ou envie e-mail para contato@nativasbrasil.org.br.

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Escrito por: redação Mais Floresta.