‘Tecido de madeira’: apetite por fibras especiais de celulose movimenta mercado de lyocell no Brasil

País tem limitações na fabricação da fibra têxtil, mas cresceu como exportador do insumo, chegando a 20% da produção mundial; matéria-prima movimenta negociações bilionárias com nomes como Suzano, Lenzing e Dexco

Da mesma madeira que abastece a indústria brasileira de papel é possível dar origem a uma das fibras têxteis especiais mais sustentáveis do mercado: o lyocell, obtido a partir da polpa solúvel da celulose extraída de árvores como o eucalipto. A matéria-prima é reconhecida por proporcionar maciez ao tecido e pelo baixo impacto ambiental em sua produção. No Brasil, ela tem sido impulsionada por marcas de moda e por investimentos bilionários de gigantes da cadeia de celulose.

Além da origem florestal, um dos diferenciais que minimiza impactos da produção da fibra frente a concorrentes fósseis está no seu processamento. O insumo passa por dissolução em solvente orgânico, o NMMO (N-metilmorfolina-N-óxido), que é reutilizado em quase 100% durante a produção. A fibra resultante é biodegradável e compostável, podendo decompor-se em poucos meses, se descartada em ambientes favoráveis.

O mercado em torno dessa fibra ganhou relevância nos últimos anos no Brasil. Uma das negociações mais recentes foi anunciada em 2024 pela brasileira Suzano. A companhia, que já tinha nome consolidado em celulose para papéis e embalagens, investiu € 230 milhões (cerca de R$ 1,4 bilhão) na compra de 15% da participação global no Grupo Lenzing, empresa austríaca que lidera a produção global de celulose para a indústria têxtil e é detentora da marca Tencel (fibra de lyocell desenvolvida pela empresa).

Segundo o vice-presidente executivo de Novos Negócios na Europa da Suzano, Carlos Aníbal, a aquisição fez parte da estratégia da companhia em avançar na cadeia do downstream (produto final para o consumidor), aproveitando o potencial de crescimento das fibras de celulose para consolidar uma posição competitiva. Por causa da participação minoritária, o executivo passou a ocupar a cadeira de vice-presidente do conselho de administração do Grupo Lenzing, na Áustria, de onde falou com o Estadão.

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“Esse mercado abre a oportunidade de avançarmos no downstream, de construirmos uma posição competitiva em um segmento no qual entendemos que há um potencial muito grande de crescimento, devido à busca por fibras mais sustentáveis e que trazem ao consumidor um conforto muito maior”, diz. “Existe uma tendência crescente dessa combinação de conforto e sustentabilidade, e entendemos que atuar nessa cadeia é uma opção de criação de valor.”

A Suzano tem a possibilidade de comprar outra fatia de participação no Grupo Lenzing até o fim de 2028 e se tornar acionista majoritária, o que seria mais um passo para fortalecer a cadeia do lyocell no País. Aníbal não antecipa informações sobre a intenção de avançar na compra, no entanto. “É um negócio diferente sobre o qual estamos buscando entendimento para tomarmos uma decisão ao longo do tempo.”

A brasileira Dexco, consolidada pelos produtos de louças, revestimentos e painéis de madeira, também expandiu o portfólio com a produção de polpa solúvel de celulose para lyocell e outras fibras ao firmar parceria com o Grupo Lenzing em 2018. A estratégia resultou na criação da joint venture LD Celulose, instalada em Minas Gerais, com investimento de US$ 1,3 bilhão (cerca de R$ 7 bilhões). A expansão foi responsável por mais de 75% das receitas globais de fibras especiais do Grupo em 2024.

O vice-presidente da Divisão Madeira da Dexco, Henrique Haddad, explica que a negociação viabilizou a utilização de um maciço florestal de quase 54 mil hectares para outras alternativas em madeira. “Nós achamos bastante interessante o negócio por (resultar em) um produto diferenciado e com uma utilização mais próxima do consumidor, no sentido de estar fazendo uma mudança importante no uso mais sustentável de fibras e tecidos.”

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O acordo representou a ampliação da produção própria de madeira para a celulose solúvel, diminuindo a necessidade de compra de outros fornecedores (o Grupo Lenzing comprava 50% do material antes da joint venture), ressalta o presidente da LD Celulose, Silvio Costa. Segundo ele, foram dez anos estudando outros mercados até que o Brasil se mostrou o local de maior potencial para a industrialização do insumo.

“A Lenzing continua com o tamanho dela em termos de produção de fibras têxteis, na ordem de 1,1 milhão de toneladas por ano. Com a entrada da LD Celulose, ela se tornou autossuficiente ou menos dependente do mercado, com fibra de celulose solúvel produzida a partir de eucalipto no Brasil, com uma vantagem competitiva super importante.”

Concorrente das empresas citadas, a Bracell também mantém uma operação robusta de celulose solúvel no Brasil, com capacidade de produção anual de 2 milhões de toneladas do insumo que origina o lyocell. As plantas fabris que produzem as polpas solúveis ficam na Bahia e em São Paulo.

A companhia não comentou ao Estadão sobre apetite de mercado e investimentos recentes. “Em 2024, 53,5% da celulose produzida pela Bracell na Bahia teve como destino a Ásia, para a fabricação de fibras de viscose e lyocell”, disse a empresa em nota.

Tamanho do mercado

De acordo com a economista Hema Kalathingal, analista de polpas especiais da agência Fastmarkets, os números positivos do lyocell globalmente explicam o apetite das empresas no Brasil pela fibra. Ela diz que as fibras celulósicas produzidas a partir de polpa de madeira cresceram a uma taxa de 6% entre 2021 e 2024, superando o mercado têxtil como um todo. O lyocell apresentou uma taxa média de crescimento anual de cerca de 26% nesse período.

Do ponto de vista do consumo, os números também são atraentes. “O consumo de fibras de celulose sintéticas dobrou nos últimos 15 anos. O lyocell, em particular, apresentou crescimento de dois dígitos nesse período e agora representa cerca de 11% de todas as fibras celulósicas. A busca por fibras têxteis sustentáveis ​​resultou em uma onda de investimentos em capacidade produtiva, especialmente para o lyocell. Consequentemente, o consumo de lyocell continuará crescendo.”

Com o boom, o Brasil emergiu como um fornecedor importante de celulose solúvel nos últimos anos, por causa do aumento da capacidade produtiva da Bracell e da LD Celulose, fazendo com que o País responda hoje por aproximadamente 20% da capacidade de produção global, segundo dados da Fastmarkets divulgados pela economista. A capacidade de produção de celulose solúvel do País passou de aproximadamente 650 mil toneladas em 2019 para cerca de 1,9 milhão de toneladas este ano, e o Brasil exportou 1,1 milhão de toneladas de celulose solúvel em 2024.

No entanto, o volume significativo de produção de celulose solúvel no Brasil, contrasta com as barreiras para a produção da fibra e do tecido de lyocell no País. As empresas instaladas no Brasil ainda precisam enviar os insumos domésticos para fábricas na Ásia e na Europa, que devolvem as fibras e tecidos usados pelas marcas de moda no Brasil. Ao Estadão os representantes de Suzano e LD Celulose disseram não ter, por enquanto, a intenção de ter planta para a produção da fibra no País, mantendo apenas a produção da polpa solúvel.

Para Kalathingal, desenvolver uma indústria de lyocell no Brasil exigirá “investimentos significativos”. “A maior parte da capacidade atual de produção de lyocell está na China ou em outras partes da Ásia, onde a proximidade com uma cadeia de valor têxtil e de vestuário maior proporciona vantagens estratégicas. O Brasil, atualmente, não possui instalações de produção de fibras celulósicas, (porém) o crescimento da indústria têxtil e de vestuário nacional pode criar oportunidades para futuros investimentos em lyocell.”

Vicunha, uma das maiores fabricantes de jeans do Brasil, começou a usar lyocell na composição das peças desde 2018, mas vê dificuldades na falta de produção da fibra no País. O diretor executivo comercial da empresa, Alejandro Silva, avalia que a fibra veio para somar positivamente na produção junto ao algodão, mas, se houvesse a confecção do tecido na indústria brasileira, o lyocell poderia crescer proporcionalmente ao potencial que tem.

“O crescimento está muito abaixo do que se espera para essa fibra. Nós não temos produção dentro do Brasil, então se paga impostos trazendo de fora. Nós acreditamos e acompanhamos (o crescimento do lyocell), mas temos esses problemas. (As fábricas) não dispõem de matéria-prima para entrega em 48 horas, como algodão, lycra, poliéster.”

Mesmo assim, a Vicunha tem buscado ampliar portfólio com a fibra. Em 2025, foram lançados dois produtos. Para a coleção de 2026, os lançamentos devem chegar a sete confecções compostas por lyocell: cinco em brim e duas em denim. O nosso portfólio vai triplicar, mas, honestamente, quando olhamos o consumo como um todo, o lyocell é uma parte muito pequena. Ele pode crescer a dois dígitos. Mas, para que isso faça uma diferença, tem que crescer a três. E ele tem condição de crescer três dígitos. Precisamos viabilizar isso.”

Demandas atuais e futuras

Enquanto a fibra aguarda uma produção nacional, as demandas pelo tecido continuam vindo de diferentes segmentos. A gerente de Desenvolvimento e Novos Negócios na América do Sul do Grupo Lenzing, Juliana Jabour, comenta que, no Brasil, os pedidos para o uso do lyocell da companhia (o Tencel) estão vindo dos fabricantes de jeans e de malharia para aplicações diversas, como no segmento esportivo, e do segmento de luxo, que busca fibras premium.

“É uma tendência”, diz, avaliando os últimos cinco anos. “Mesmo os fabricantes aqui (no Brasil) ou as marcas, quando viajam para fora, trazem muitas peças feitas de Tencel. As marcas estão cada vez mais estabelecendo metas de sustentabilidade mais agressivas e convertendo parte do portfólio para produtos mais sustentáveis, e isso começa na escolha da matéria-prima.”

As fibras de lyocell licenciadas pelo Grupo Lenzing estão disponíveis para venda no Brasil em segmentos de nichos diversos e com preços variados. Em setembro, por exemplo, a grife Neriage lançou a coleção autoral Autobiografia usando a fibra, com peças de até R$ 8,8 mil com 70% de lyocell e adição de seda. Já a marca de roupas essenciais Insider lançou em outubro a coleção Nextech, com camisetas em torno de R$199, contendo 92% de lyocell.

Ao Estadão ambas as marcas ressaltaram os atributos de sustentabilidade e a qualidade do tecido final como critério de escolha do material, indicando que a fibra continuará sendo usada em novas coleções. “Produto que não derruba ilegalmente a floresta” e “fibra do futuro” estiveram entre as justificativas. “Temos diversas novas tecnologias mapeadas para os nossos lançamentos, e o lyocell, com certeza, é uma delas”, projeta a líder de P&D da Insider, Karen Prado.

Informações: Shagaly Ferreira / Estadão

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