Sobretaxa de 50% acende alerta no epicentro da produção nacional de celulose, onde gigantes como Suzano, Arauco, Bracell e Eldorado mantêm operações e investimentos bilionários
Um clima de apreensão paira sobre o “Vale da Celulose” de Mato Grosso do Sul. A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros a partir de agosto foi recebida como uma ameaça direta ao coração da economia do estado. A medida testa a força de um estado que, no primeiro semestre de 2025, celebrou um recorde de US$ 5,28 bilhões em exportações, mas que agora vê seu segundo maior comprador erguer uma barreira comercial sem precedentes.
Conforme a Carta de Conjuntura do Comércio Exterior da Semadesc, os Estados Unidos absorveram 5,97% das exportações totais de MS de janeiro a junho, somando US$ 315,4 milhões. Embora distante dos 47% da China, a parceria com os EUA é estratégica, especialmente para produtos de maior valor agregado. É nesse contexto que a medida de Trump causa calafrios.
O epicentro da ameaça: Três Lagoas, Ribas do Rio Pardo e os novos projetos
A celulose é a grande protagonista da pauta exportadora sul-mato-grossense, respondendo por US$ 1,73 bilhão (32,68%) do total vendido ao exterior no semestre. Não por acaso, os municípios que lideram as exportações são Três Lagoas (19,43%) e Ribas do Rio Pardo (13,12%), sedes das operações da Eldorado Brasil e Suzano, respectivamente.
Para essas empresas, a tarifa significa uma perda imediata de competitividade. A produção local, antes enviada ao mercado americano, agora enfrentará um custo proibitivo. A situação é igualmente crítica para os novos e bilionários investimentos que prometem transformar ainda mais a região:
- Arauco (Inocência): A gigante chilena está erguendo o Projeto Sucuriú. Embora a empresa, em suas operações no Chile, possa até se beneficiar da situação, sua produção em solo brasileiro será taxada, colocando em xeque a rentabilidade do maior investimento privado em andamento no Brasil.
- Bracell (Bataguassu): Com uma nova megafábrica anunciada para Bataguassu, a Bracell pode ver o cenário de seu futuro investimento se complicar antes mesmo do início das obras. A viabilidade de um projeto dessa magnitude depende do livre acesso a mercados globais.
“Temos defendido a competitividade da indústria brasileira. Sobretaxar neste momento é algo difícil, é inaceitável nesses padrões”, afirmou Sérgio Longen, presidente da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Fiems), ecoando a preocupação do setor produtivo que vê a medida como um golpe direto.
Reações e análises:
A reação em Mato Grosso do Sul foi imediata. O governador Eduardo Riedel (PSDB) classificou a decisão como um “equívoco”, lembrando que a balança comercial com os EUA já é negativa para o Brasil. “Acho que tem que ser resolvido no âmbito da diplomacia, da conversa”, defendeu, ao mesmo tempo que alertou para a politização do debate, o que dificulta uma solução racional.
Enquanto a diplomacia age em nível federal, com um comitê interministerial criado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin para negociar com os setores, economistas locais analisam os possíveis desdobramentos.
O doutor em Economia Daniel Frainer aponta que a motivação é mais política que econômica, ligada a questões internas do Brasil. Ele acredita que o custo será repassado ao consumidor americano e desenha cenários: o mais provável é uma antecipação das compras por importadores dos EUA para formar estoque antes de agosto, o que poderia triplicar a demanda por produtos como carne e celulose no curto prazo. Uma substituição do Brasil como fornecedor, no entanto, é vista como improvável.
Para o analista Aldo Barrigosse, o risco é claro. “A tarifa é um golpe significativo. Isso resultará em preços mais altos para os consumidores americanos e forçará nossos produtores a buscarem novos mercados ou enfrentarem uma retração nas vendas”, avaliou.
A estratégia da Suzano
Apesar do anúncio de uma tarifa de 50% pelos EUA sobre produtos brasileiros, a Suzano, uma das maiores produtoras de celulose do mundo, não registrou impacto imediato nas suas vendas. Um executivo da empresa afirmou que, como estratégia de prevenção, estão aumentando os estoques nos EUA e que qualquer custo adicional da tarifa será, inevitavelmente, repassado aos consumidores americanos.
A empresa, que fornece 83% da celulose de fibra curta importada pelos EUA, mantém a confiança em uma solução negociada pelo governo brasileiro, mas também tem flexibilidade para redirecionar suas vendas para outros mercados.
Informações: Cenário MS.