Artigo de Sebastião Renato Valverde[i], Marcelo Moreira da Costa[ii] e Ricardo de Carvalho Bittencourt[iii]

Recentes visitas em algumas fábricas de celulose, tanto em suas áreas florestais quanto industriais, ficamos perplexos com situações-problemas surreais que, antecipamos, não são privilégios de uma ou de outra, já que são comuns em quase 111,11% delas, variando apenas a intensidade. Primeira perplexidade se deu no campo com relação a quantidade de toretes, com e sem cascas, de tamanho abaixo do padrão que permanecem na área como resíduos florestais. A segunda, no pátio das indústrias, a quantidade de cascas desprendidas e também impregnadas nos toretes e, a terceira, a ociosidade das caldeiras movida àquelas cascas desprendidas, pois as impregnadas seguem contaminando e encarecendo o processo industrial ao exigir quantidade maior de reagentes para a polpação.

No tocante a questão financeira, faz jus detalhar sobre os resíduos no campo, embora reconheçamos a importância ambiental deles conforme abaixo, e sobre a ociosidade da caldeira, haja vista se tratar de indústrias que tem a escala de produção como principal característica – as novas plantas nascem grandes com capacidade de 2,5 milhões de toneladas seca ano (Tsa) se projetando dobrar -.

Especificamente há de se assombrar com o volume de toretes descascados residuais, algo em torno de 3 a 7% do total, diante os custos operacionais incorridos no seu corte como desgalhamento, descascamento e traçamento e também os da sua formação. A título de exemplo, dado que o custo para formação de um m3 da madeira em pé aos sete anos é em torno de US$25,00/m3 e que o operacional (cortar, desgalhar e descascar e traçar) é de US$9,00/m3, somando US$34,00/m3 e que para cada Tsa gasta-se, em média, 4,0m3 de madeira, então: para uma produção de 2,5 mi de Tsa, IMA (Incremento Médio Anual) de 40m3/ha.ano, rotação florestal de 7 anos, compreendendo um volume residual de 14m3/ha e uma área colhida anual de 35.710 ha, resulta num volume total de resíduo de 500.000m3/ano a um valor perdido no campo de US$17.000.000,00/ano. Para nós reles mortais descapitalizados, para não dizer depauperados, vem logo aquele bordão “eu ficaria feliz só com 1% deste prejuízo por ano” que daria US$170k.

Com relação a ociosidade da caldeira de força, ao se considerar que as cascas representam de 10 a 12% do volume da madeira, mas que deste total apenas 1,5% é aproveitado na caldeira, significa que ela poderia gerar, no mínimo, de 6 a 7 vezes mais energia do que tem gerado com as cascas desprendidas. Ou seja, as cascas que sobram no campo faltam nas caldeiras. Como estas são projetadas para uma produção de MWh acima deste volume de 1,5% das cascas, pois se leva em conta possíveis fontes de biomassa das florestas eventualmente sinistradas (queimadas, quebradas por ventos, atacadas por pragas e doenças, etc), acaba que parte do ano sem estas sinistradas ela cogera abaixo do seu potencial obrigando a empresa, para honrar compromissos contratuais, a comprar, quando deveria disponibilizar no grid, energia mais cara no mercado spot a preços do PLD  que varia ao sabor do vento (eólica), do sol (solar) e das chuvas. Logo nos períodos críticos do ano em que o valor do MWh, apesar do Sistema Integrado Nacional (SIN), eleva-se com a estação seca e de menor volume de água nas hidroelétricas. 

Ainda que no cenário atual o preço do MWh (em torno de R$200,00/MWh) esteja abaixo do break even point de R$300,00/MWh quando a partir deste justifica complementar com a compra de resíduos florestais e, ou, de agroindustriais regionais, não procede essa ociosidade, haja vista que necessitam de se manterem operando e que tal ócio poderia ser contornado caso as fábricas fossem abastecidas com madeira com casca (10 a 12%) em vez de sem (1,5%).  Se considerar o valor do MWh nos períodos secos e as tendências de alta neste valor dado possível colapso (blackout) na oferta futura torna-se indefensável tal ociosidade, pelo menos para nós pregadores do tal bordão.

Se isso é histórico e generalizado nas indústrias de celulose o que explica a persistência desta ineficiência e o que tem sido ou deveria ser feito para contornar, ou seja, para aproveitar todas as cascas e resíduos lenhosos sem comprometer a sustentabilidade do processo florestal?

A causa maior disso oriunda do sistema de colheita florestal adotado por este segmento que prioriza o recebimento da madeira sem casca, haja vista o histórico de defeitos que os descascadores industriais apresentavam – coisa do passado – e o mau desgalhamento no campo, sobretudo quando a colheita era semi-mecanizada com motosserra. Diferentemente do segmento consumidor de carvão vegetal (siderúrgico/metalúrgico) que convive pacificamente com as cascas, embora para as metalúrgicas o ideal seria de madeira descascada, zerando a contaminação das ligas e alcançando significativos plus nos preços. Outra hipótese é com relação ao valor do MWh que, há quase três décadas, não valorizava a caldeira de biomassa como se valoriza na caldeira de recuperação dos reagentes químicos.

Assim, no cotidiano das celulósicas generalizou a adoção do sistema mecanizados de colheita da madeira por toretes (Cut-to-Length, CTL), enquanto no das de carvão vegetal, o de fuste inteiro (Full tree, FT), onde são empregadas para o CTL o harvester para corte, desgalhamento, descascamento e traçamento e o forwarder para extração. Já para o FT, o feller-buncher que apenas corta as árvores, as acumulas no seu cabeçote e enfeixa para serem arrastadas pelo skidder.

Dado ao número de operações do harvester em relação ao do feller-buncher e considerando quem ambas apresentam valores de aquisição próximos de US$550.000,00, é óbvio e esperado que o custo operacional do CTL seja maior que o do FT.  Estudos tem afirmado que tal diferença chega à casa de 50%.

Outro ponto a favor da adoção do CTL está relacionado com a instrumentação eletrônica das máquinas já que o harvester e o forwarder possuem uma gama de tecnologias embarcadas a mais que o feller-buncher e o skidder, possibilitando melhor condução, manutenção e controle operacional.

Além disso tem os aspectos ambientais que conferem sustentabilidade do site, sobretudo nas propriedades físicas, químicas e biológicas dos solos proporcionadas pelos resíduos da colheita do CTL, haja vista as cascas representarem de 10 a 12% da árvore e 25% dos resíduos, enquanto os demais, serapilheira e folhas e galhos, 75%. Embora ela seja importante fonte de nutrientes, no entanto a maior parte deles se concentra nos resíduos mais lábeis (folhas e serapilheira) que se decompõem e mineralizam mais rapidamente para a reposição no solo e reciclagem para a planta.

Uma vez ciente da vital função ambiental das cascas, entende-se que é factível de ser contornado com o volume de serapilheira, folhas e galhos no campo e, se necessário, um trade-off com fertilizantes. Ainda assim, perante a vibe da descarbonização, há razões de sobra para alterar tal cenário (marasmo das caldeiras) mesmo com o preço vil do MWh, quer seja pela substituição energética diante da quantidade maior de biomassa das cascas, sobretudo a custo quase 0800 de colheita e frete, quer pela quantidade a mais de madeira para o processo industrial e quer pelo futuro das indústrias de celulose que se projetam mais como biorrefinarias do que tradicionais fábricas de insumos para a produção de papel.

Em que pese as atuais fábricas terem evoluído bastante – https://www.maisfloresta.com.br/eu-sou-florestal-mais-que-universal/ -, o futuro próximo reserva para elas um céu de brigadeiro, pois se a gaseificação e a fast-pirolise, sonhos de criança há 10 anos, hoje são realidades, então a biorrefinaria está a um passo do paraíso onde, além da celulose e de energias renováveis (bio-óleos e syngás), produzirá produtos químicos tais como furfural, HMF, ácidos, etc, materiais como adesivos, biopolímeros, bioplásticos, fibra de C, hidrogênio verde (H2) e cia Ltda. Da mesma forma que estas indústrias evoluíram quanto aos aspectos ambientais como a redução do consumo de água por tsa e das emissões de efluentes líquidos e gasosos, tudo leva a crer que em breve tais indústrias estarão produzindo biodiesel para abastecerem sua frota de caminhões, tratores e máquinas florestais, garantindo Zero de emissões e 100% de sustentabilidade.

Se o Capex entre as máquinas dos sistemas CTL e FT é igual, próximos de US$550k, e se o Opex (US$13,50 e US$9,00/m3 posto fábrica numa distância média de 150 km, respectivamente), é 50% menor para o FT, nítido a vantagem deste e daí, diante do exposto, crê-se que isso porá em risco a sobrevivência do CTL e com ele a dos harvesters e forwarders e indaga-se de como convencer os CEOs das indústrias pela substituição das máquinas e de qual o futuro dos harvesters e forwardes sendo destronados pelos feller-bunchers e skidders? Eis o mistério da fé florestal dado que para cada tsa de celulose se economiza em torno de US$25,00 por se empregar o FT em vez do CTL.

Enfim, pela lógica da eficiência e eficácia do capitalismo, é provável que o futuro reserve pudor para a madeira e que ela não mais sofrerá a injúria da nudez pública graças à biorrefinaria.


[i] Professor Titular do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (DEF/UFV), valverde@ufv.br.

[ii] Professor efetivo do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (DEF/UFV), mmd@ufv.br.

[iii] Mestre e doutorando em Celulose e Papel no Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (DEF/UFV), ricardo.bittencourt@ufv.br