Com o objetivo de medir os estoques de carbono e as emissões de gases de efeito estufa (GEE) durante o cultivo de erva-mate (Ilex paraguariensis), a Embrapa Florestas (PR) e a Fundação Solidaridad desenvolveram uma calculadora de carbono a Carbon Matte. A tecnologia proporcionará melhor compreensão sobre a relação entre a produção da erva-mate e a mitigação das emissões de GEE mediante o armazenamento de carbono.
A ferramenta poderá ser utilizada como um instrumento de gestão de propriedades rurais e empresas para contabilizar emissões de GEE e estoques de carbono a partir das práticas de manejo adotadas e auxiliar nas tomadas de decisão. Além disso, pode apoiar processos de certificação ou rotulagem de produtos ambientalmente sustentáveis, bem como mensurar ativos ambientais e contribuir para atingir as metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 13) da Organização das Nações Unidas (ONU), relacionado à mudança global do clima.
A produção de erva-mate figura entre as 13 práticas tecnológicas consideradas potencialmente mitigadoras pelo Plano ABC+, do Ministério da Agricultura (Mapa) que consiste na segunda fase do Plano ABC (Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura).
Os primeiros resultados obtidos com a calculadora apontam para um balanço de carbono negativo, ou seja, retirada de CO2 da atmosfera e armazenamento no sistema produtivo, e poderão subsidiar iniciativas na qual a erva-mate está incluída, como é o caso do Programa Nacional de Cadeias Agropecuárias Descarbonizantes (Programa Carbono + Verde), do Mapa. “A ferramenta de cálculo permitirá quantificar a contribuição dos sistemas de produção de erva-mate para a mitigação das emissões de GEE, poderá também testar combinações de práticas de manejo que resultem em cenários mais promissores para a qualidade ambiental”, explica a pesquisadora da Embrapa Josileia Zanatta.
Como funciona o Carbon Matte
A Carbon Matte, disponível aqui para download, é composta por uma planilha eletrônica na qual são inseridos dados dos sistemas produtivos de erva-mate (sistema adensado, arborizado e a pleno sol). Entre as variáveis coletadas e inseridas na planilha, estão a produção de biomassa e as práticas silviculturais adotadas. A planilha calcula as emissões e remoções totais de carbono do sistema (biomassa vegetal e solo) e as fontes de emissão de alguns dos principais GEE como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4). Seu uso é voltado para produtores rurais, ervateiras, agentes de extensão rural e comunidade científica. Os interessados podem baixar também o Manual Técnico e Operacional da calculadora.
Segundo Gabriel Dedini, engenheiro-agrônomo da Fundação Solidaridad, os parâmetros técnicos foram desenvolvidos para o cultivo da erva-mate em propriedades rurais parceiras, nos municípios paranaenses de Cruz Machado e Bituruna. A condição de produção nessas cidades é bastante representativa para os sistemas de cultivo no estado do Paraná, servindo como ambiente de testes e calibração para o uso da calculadora. “A calculadora poderá ser adotada em outras regiões, com adequações específicas que levem em conta as peculiaridades de clima e solo, expressos pelos indicadores e fatores de emissão”, comenta Dedini.
Inserção de dados
A Carbon Matte foi desenhada para atender às especificidades dos sistemas de cultivo da erva-mate. Para isso, vários dados são solicitados ao usuário, de forma a detalhar se o sistema de produção ocorre a pleno sol ou se é um adensamento com sombreamento (baixo, médio ou elevado). A ferramenta registra também o carbono armazenado em outras espécies nativas.
Entre as informações solicitadas estão o histórico de uso e manejo do solo, a área do talhão, a densidade de plantas, o intervalo de podas, a fase atual do erval (de plantio, de formação de copa ou produtiva), a idade do erval, a altura das plantas e a produtividade. “Essas informações são facilmente obtidas na propriedade, permitindo que o produtor ou técnico possa inserir os dados, sem necessidade de nenhum equipamento sofisticado além de uma fita métrica, trena ou aplicativos de celular”, explica Zanatta.
Assim como em qualquer sistema produtivo, no erval a entrada de insumos é um item fundamental a ser considerado nas emissões de GEE, pois contribuem para as emissões de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso. “As emissões de GEE estimadas pela Calculadora de Carbono da Erva-Mate se referem ao manejo de implantação dos ervais, fertilização de condução e produção, manejo de plantas de cobertura, defensivos agrícolas, condução das podas e consumo de combustível, ou seja, todas as práticas realizadas na fase agrícola da cadeia”, destaca a cientista da Embrapa.
No que se refere à adubação, existe uma lista de fertilizantes disponíveis, para que o usuário selecione qual foi utilizado e sua dose. “Todos esses dados são combinados e geram as informações sobre as emissões e remoções de carbono. Os dados podem ser inseridos continuamente ao longo dos anos, permitindo que vejamos a evolução do talhão em termos de estoques de carbono, quantificados individualmente para a parte aérea, raiz e plantas de cobertura, assim como da emissão de gases”, acrescenta a pesquisadora.
“Portanto, o produtor poderá usar a Carbon Matte também como uma ferramenta de planejamento do seu erval, encontrando um equilíbrio entre a produtividade e a emissão de GEE dentro de cada sistema de produção. Ao analisar os resultados, é possível, por exemplo, que o produtor constate que esteja adotando práticas que emitam muito CO2. Assim, as práticas de manejo podem ser repensadas, fazendo com que o erval esteja cumprindo seu papel em armazenar carbono e gerar renda”, conta o pesquisador da Embrapa Marcos Rachwal.
Como a erva-mate armazena carbono
Dentro do sistema de produção do erval, o carbono é armazenado pela biomassa vegetal via fotossíntese, e pelo solo, por meio dos resíduos vegetais que formam a matéria orgânica. “Isso proporciona não só a mitigação de GEE, mas também outros aspectos positivos em termos de fertilidade do solo e ciclagem de nutrientes”, detalha Zanatta.
Outro aspecto que faz a erva-mate ser considerada mitigadora é a absorção de metano por solos florestais. “A erva-mate adensada está associada à Floresta Ombrófila Mista, garantindo em muitos casos a preservação da floresta nativa. Monitoramentos dessas áreas que a Embrapa Florestas vem fazendo há vários anos demonstraram que o solo florestal absorve metano. As taxas são bastante significativas e variam de 5 a 10 quilos por hectare ao ano. Esse montante, transformado em CO2 equivalente, corresponde à remoção de cerca de 250 quilos de CO2 equivalente por hectare a cada ano”, relata Zanatta. Isso porque o metano tem potencial de aquecimento global entre 25 a 30 vezes maior que o CO2.
Os resultados obtidos em Cruz Machado revelam a sustentabilidade dos ervais, independentemente de seu sistema, quando bem manejado. Zanatta explica que isso se deve a vários fatores. A erva-mate armazena carbono na sua biomassa (tronco, galhos, folhas e raízes), e também no solo. Por outro lado, a cultura emite pequena quantidade de GEE por demandar baixas quantidades de insumos em relação à biomassa produzida.
“O sistema produtivo de erva-mate se confirma como uma tecnologia que contribui para a mitigação de GEE, e a calculadora de carbono da erva-mate contabiliza numericamente essa contribuição”, diz Zanatta. Por exemplo, ervais com produtividade de aproximadamente 20 t/ha/ciclo, com idade entre sete e dez anos, armazenam quase 50 toneladas de carbono por hectare (tC/ha) como biomassa do erval. E a cada ciclo, mantendo a produtividade, o estoque de carbono do erval aumenta em aproximadamente 2,5 a 3 tC/ha. Nos sistemas adensados, soma-se ainda o carbono presente em outras espécies florestais, que pode chegar a aproximadamente 60 tC/ha.
De acordo com a pesquisadora, a calculadora de carbono dos ervais promove ainda a valorização e a oferta de um produto diferenciado para os consumidores. “Com base em outras cadeias que utilizam o cálculo de emissões e remoções em suas atividades, podemos vislumbrar a possibilidade de valorização de produtos, acesso a mercados que são mais exigentes ou abertura de novos negócios”, acredita.
Expansão para outras regiões produtoras
Para a realização dos cálculos de emissão dos GEE, foram usados dados gerados exclusivamente para a região, com base em valores tabelados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). “A perspectiva desta pesquisa é que sejam validados os indicadores da calculadora para outras regiões produtivas por meio de novas parcerias de trabalho, permitindo o aprimoramento dos coeficientes técnicos e dos fatores de emissão da cultura da erva-mate. Pretendemos aprimorar a validação dos indicadores para todas as regiões produtivas”, afirma Zanatta.
A Fundação Solidaridad
Em parceria com a Leão Alimentos e Bebidas e a Coca-Cola Brasil, a Fundação Solidaridad apoiou financeiramente as atividades de campo para o desenvolvimento da Carbon Matte. Organização internacional da sociedade civil há quase 15 anos no Brasil, a Solidaridad busca acelerar a transição para uma produção inclusiva e de baixo carbono, contribuindo para a segurança alimentar e climática do País e do mundo. Atualmente desenvolve com parceiros iniciativas de sustentabilidade nas cadeias de cacau, café, cana-de-açúcar, erva-mate, laranja, pecuária e soja. Globalmente, a Solidaridad conta com mais de meio século de atuação em mais de 50 países.
Metodologia alternativa para a quantificação de carbono em pequenas propriedades
Com o objetivo de suprir parte das demandas para a implantação de programas de pagamento por serviços ambientais, a Embrapa Florestas publica Erva-mate sombreada: proposta de metodologia para avaliação e monitoramento de carbono em programas de pagamento por serviços ambientais. Esse trabalho apresenta uma metodologia alternativa para a quantificação de carbono de biomassa florestal que deve facilitar os levantamentos em florestas nativas, nas pequenas propriedades rurais. Esses levantamentos são necessários para se estabelecer a base de referência de estoque de carbono, bem como acompanhar periodicamente a captura de carbono de biomassa com o crescimento das árvores.
Segundo Denise Jeton Cardoso, pesquisadora da Embrapa e autora da publicação, o método de área fixa, tradicionalmente utilizado, consiste em instalar unidades amostrais retangulares, quadradas ou circulares nas quais se mede o diâmetro e altura de todas as árvores. “O preço de equipamentos e serviços nessa área ainda é inacessível para produtores rurais de pequeno e médio portes. Por isso, a metodologia proposta nesse trabalho inclui a adoção de unidades amostrais de área variável, por meio do método de Bitterlich, que requer menor tempo de medição. Ele consiste em contar as árvores em um giro de 360° na área florestal, cujos diâmetros à altura do peito são iguais ou maiores que uma determinada abertura angular, previamente definida. Para a medição de altura das árvores propõe-se o uso de aplicativo de celular”, explica a pesquisadora.
Informações: Embrapa.