A integração de gado, pastagens consorciadas e árvores é uma solução eficaz, comprometida com a produção sustentável de carne e leite, o aumento da biodiversidade e a diminuição do impacto da pecuária nas mudanças climáticas, reduzindo a pegada de carbono e maximizando os serviços ambientais.
Na Fazenda Canchim, sede da Embrapa Pecuária Sudeste em São Carlos (SP), a implantação de um sistema silvipastorial biodiverso e multifuncional comprova a tese. Formado por sete espécies nativas do bioma Mata Atlântica, e pastagens consorciadas com a leguminosa guandu BRS Mandarim, o sistema foi capaz de sequestrar carbono, reduzir as emissões de metano e aumentar a matéria orgânica e os nutrientes do solo, além de diminuir o risco de incêndios e fornecer habitat para diversas espécies, o que contribui para a biodiversidade e sustentabilidade do bioma. Dados de pesquisas mostram, ainda, menor ocorrência de infestações de parasitas e melhoria no bem-estar animal, graças ao conforto térmico proporcionado pela sombra.
No estudo foram utilizadas as árvores nativas angico-branco, canafístula, ipê-felpudo, jequitibá-branco, pau-jacaré, mutambo e capixingui. Todas elas possuem valor econômico e têm várias configurações – madeireiras, melíferas e as chamadas tutoras (que auxiliam no crescimento retilíneo das madeireiras). A canafístula, o jequitibá-branco e o ipê-felpudo são promessas para a produção de madeira. O angico-branco, além da madeira, tem valor medicinal. O pau-jacaré pode ser usado para lenha e tem sido treinado com fins farmacológicos. O mutambo é valorizado pela madeira, frutos e propriedades medicinais. As flores do capixingui atraem abelhas, produzindo mel com características exóticas. A madeira também pode ser usada para celulose e papel.
De acordo com a pesquisadora Sandra Santos, esse tipo de arranjo multifuncional e biodiverso combina benefícios produtivos, socioeconômicos e ecológicos, e pode servir de renda extra para pequenos e médios agricultores familiares. Para obter esses benefícios é fundamental o planejamento do sistema com a escolha de espécies nativas e forrageiras, o desenho do arranjo e o manejo das árvores por meio de poda e desbaste e manejo do gado.
O componente arbóreo pode ter multifunções e ser usado de forma escalonada, contribuindo com o balanço de carbono, serviços ambientais e diversos produtos. Esse modelo também pode ser indicado para locais com restrições à agricultura, como aqueles que apresentam declividade acentuada e restauração de determinadas áreas de preservação.
Paisagem agrícola brasileira
Os sistemas peculiares apenas com pastagem ainda ocupam boa parte da paisagem agrícola brasileira. Muitas vezes são áreas em descrição e descrições de baixa eficiência, contribuindo, assim, para o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE), as perdas do solo e a perda de biodiversidade. Em plena emergência climática, são possíveis tecnologias mais eficientes e sustentáveis capazes de reduzir o impacto das cadeias produtivas da carne e do leite.
Nas últimas décadas, houve certo avanço na intensificação de fazendas pecuárias baseadas em pastagens, buscando equilibrar a produtividade com a conservação dos recursos naturais. A Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) ou agrossilvipastoris surgiu como uma alternativa sustentável, biodiversa e multifuncional. Atualmente, segundo dados da Rede ILPF, uma área de integração laboral-pecuária-floresta no Brasil equivale a mais de 17 milhões de hectares, com potencial de crescimento significativo nos próximos anos.
A diversidade de plantas aumenta a resiliência do ecossistema, apoia a ciclagem natural de nutrientes e melhora a estrutura e fertilidade do solo, segundo Sandra Santos. Do ponto de vista da produção animal, os sistemas silvipastoris podem melhorar as condições microclimáticas, aumentando o bem-estar e a produtividade animal, ao mesmo tempo que reduzem as emissões de metano por unidade de produção.
Além disso, principalmente com árvores nativas do bioma, esses modelos fornecem uma variedade de serviços ecossistêmicos, incluindo conservação da biodiversidade, regulação hídrica, polinização, controle de pragas e doenças, controle de incêndios e provisão de habitat. Porém, o ponto chave para obter eficiência produtiva e multifuncional é fazer um planejamento e manejo adequado do sistema, adaptado às condições locais.
Sobre o experimento
O experimento foi monitorado por uma equipe multidisciplinar, com ênfase especial em regulação climática, na Fazenda Canchim, sede da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP).
O sistema silvipastoril biodiverso (SSP) foi implementado em 2008. As árvores foram plantadas em aproximadamente 16 hectares em faixas de três fileiras, espaçadas aproximadamente 17 metros entre si, e 2,5 × 2,5 metros entre as árvores dentro das fileiras. Foram 545 árvores por hectare. No total, foram plantadas cerca de nove mil árvores.
As espécies arbóreas foram selecionadas para múltiplas funções, incluindo produção de madeira, fixação de nitrogênio, produção de mel e suporte estrutural para promover o crescimento vertical reto das árvores madeireiras. Na fileira central, espécies florestais nativas incluíam angico-branco, canafístula, ipê-felpudo, jequitibá-branco e pau-jacaré. Para apoiar o estabelecimento e o desenvolvimento vertical dessas espécies, as duas fileiras marginais foram plantadas com mutambo e capixingui, que serviram como árvores-enfermeira e foram integradas com uma pastagem de Urochloa decumbens (braquiária).
Desde a implantação, vários estudos comparativos foram prolongados, contemplando pastagens convencionais, ILPF com eucalipto e florestas nativas. Em 2021, para aumentar a multifuncionalidade do sistema e a fertilidade do solo, as pastagens foram consorciadas com o guandu ( Cajanus cajan ) BRS Mandarim.
Baixo carbono e serviços ambientais
A integração com nativas apresenta diversas vantagens. A sombra melhorou a digestibilidade do pasto, levando à mitigação de GEE. E o efeito pode ser maior quando se incorpora leguminosa junto à pastagem, diversificando a dieta do gado e melhorando a resiliência do sistema.
Em 2021, o guandu BRS Mandarim foi lançado nas pastagens da área de nativas. Experimentos na Unidade descoberta que a integração levaram a reduções nas emissões de metano de até 70% em comparação com pastagens convencionais. Ainda assim, o consórcio melhorou a qualidade nutricional das dietas dos animais, aumentou o período de pastejo durante a seca e prejudicou a dependência de insumos externos, como suplementos alimentares e fertilizantes. A consorciação com leguminosas também pode contribuir com a melhoria da qualidade da serrapilheira (camada formada por restos de plantas e acúmulo de material orgânico vivo em diferentes estágios de composição), que reflete na biota e na fertilidade do solo.
Os estudos também indicaram que a infestação por mosca-dos-chifres nesse modelo de integração é 38% menor do que não convencional. Isso ocorre devido à maior quantidade e diversidade da microfauna nos bolos fecais dos animais e que atuam como predadores desse parasita. Esses sistemas biodiversos restritos para um equilíbrio, refletindo na redução na incidência de sentenças e doenças.
Em relação à adaptação às mudanças climáticas, a integração de árvores em sistemas de produção reduz a erosão do solo e o escoamento superficial por múltiplos mecanismos, incluindo a interceptação da chuva pela copa, aumento da permeabilidade do solo e maior rugosidade da superfície. O pesquisador José Ricardo Pezzopane analisou a umidade do solo na integração com árvores nativas e encontrou maior coleta de água pelas plantas nas camadas mais profundas do solo. Isso foi mais evidente nas proximidades das faixas de árvores, o que é atribuído à exploração mais profunda das raízes, em comparação com a amostragem nas pastagens entre duas fileiras de árvores.
A redução de riscos de incêndio é outro serviço ecossistêmico dos sistemas silvipastoris nativos, quando relevantes gerenciados. De acordo com Pezzopane, a presença de fileiras de árvores mitiga a incidência do vento, limitando o risco de incêndios se espalharem. E, também, ao pastar o pasto seco, o gado ajuda a minimizar a propagação do fogo.
Modelos silvipastoris biodiversos com árvores nativas oferecem uma gama de benefícios ambientais e produtivos, tornando-os uma estratégia promissora para a produção pecuária sustentável e a conservação da paisagem. “No contexto das mudanças climáticas em curso, há uma necessidade urgente de projetar sistemas de produção animal baseados na natureza, enraizados na agrobiodiversidade. Eles devem buscar reduzir a dependência de insumos externos e contribuir para a conservação e restauração dos serviços ecossistêmicos”, destaca Sandra Santos.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Tecnologias como os sistemas silvipastoris com espécies nativas voltadas para o desenvolvimento de fazendas inteligentes, integrando estratégias de mitigação e adaptação para lidar com os impactos das mudanças climáticas. Com isso, estimulei o alcance de algumas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como o ODS 2, relacionado à Fome Zero, a ODS 13, que busca combater os impactos negativos das Mudanças Climáticas e a 15, referente à manutenção da Vida na Terra. |