*Artigo por Ana Kanoppa.
A restauração ecológica vem ganhando força como um dos pilares da transição para uma economia de baixo carbono — e nesse cenário, o potencial brasileiro desponta. O processo, que pode ocorrer a partir do plantio de mudas ou sementes de espécies nativas ou pela regeneração natural da vegetação, ajuda a recompor ecossistemas, melhorar a qualidade da água e do ar, recuperar nascentes e solos e, sobretudo, capturar carbono da atmosfera — um serviço ambiental essencial diante da emergência climática global.
O Brasil, que se encontra no topo da lista dos 18 países mais megadiversos do mundo, e que detém vasta experiência na silvicultura (responsável pelo manejo e cultivo de floresta), tem se posicionado como líder nesse campo, e setores público e privado trabalham em conjunto para atrair investimentos para soluções baseadas na natureza.
Esse movimento vem impulsionando uma nova frente de negócios sustentáveis, que unem conservação da biodiversidade com geração de madeira certificada, créditos de carbono e até alimentos, ajudando assim o planeta e movimentando a economia.
Desde 2024, muitos desses negócios associaram-se à Ibá, aliando-se assim a um setor com já vasta experiência no cultivo de árvores, na conservação de florestas nativas e na preservação do meio ambiente. Nos últimos meses, tais empreendimentos vêm protagonizando boas notícias em páginas de jornais e adquirindo destaque internacional, com conquistas relevantes para essa agenda. Reúno aqui alguns exemplos.
Logo no início deste ano, em janeiro, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, a re.green, empresa de restauração ecológica, anunciou a ampliação de um acordo firmado no ano anterior com a Microsoft para a restauração de 15 mil hectares de floresta na Amazônia e Mata Atlântica. Com a mudança, a área a ser restaurada quase dobrou, passando para 33 mil hectares em 25 anos. Ao todo a colaboração envolve a geração de 6,5 milhões de VCUs (Unidades de Carbono Verificadas).
Em julho, a re.green ainda firmou uma parceria com a Nestlé para restaurar 2 mil hectares de Mata Atlântica no sul da Bahia. O acordo prevê plantar 3,31 milhões de árvores nativas e remover da atmosfera milhares de toneladas de carbono, gerando cerca de 888 mil créditos de CO2 de alta integridade durante 30 anos. Essa iniciativa integra o Programa Global de Reflorestamento da Nestlé, com foco prioritário nas regiões produtoras de cacau e café, com destaque para a Bahia, um dos locais mais relevantes tanto para a produção da fruta quanto para a conservação da biodiversidade.
Atualmente, a re.green possui nove projetos em andamento, distribuídos nos biomas Amazônia e Mata Atlântica, abrangendo uma área com mais de 30 mil hectares. Desse total, 12 mil hectares estão em processo de restauro ativo. Desde sua criação em 2021, a empresa já cultivou 6 milhões de mudas nos estados da Bahia, Pará, Maranhão e Mato Grosso, com a colaboração de 29 viveiros locais.
Contudo, é importante destacar que restaurar não é só plantar mudas ou sementes. É também promover uma nova economia baseada em negócios que acelerem a transição sustentável do nosso país.
Com esse propósito, outra associada, a Mombak, tornou-se em abril a primeira empresa a receber recursos do Novo Fundo Clima do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para restauração de áreas degradadas na Amazônia. Ao todo, a startup especializada em gerar créditos de carbono a partir do reflorestamento de espécies nativas, acessou R$ 160 milhões, sendo que R$ 10 milhões já foram autorizados para saque. Ao final do mesmo mês, ainda anunciou uma rodada de US$ 30 milhões liderada pelo fundo Union Square Ventures, com participação de nomes como Kaszek Ventures, Bain Capital, AXA IM Alts, Lowercarbon Capital e Copa Investimentos. A Mombak tem entre seus clientes Microsoft e Google. Com apenas 4 anos de existência, o valor global já captado pela empresa, focada em desenvolver projetos de remoção de carbono no arco do desmatamento da Amazônia brasileira, já está em US$ 200 milhões.
Neste novo segmento da economia, o setor de arvores cultivadas integra uma cadeia produtiva dinâmica que envolve comunidades tradicionais, setor privado e investidor.
Outra boa notícia foi que, em maio, novamente o Fundo Clima/BNDES aprovou o aporte de R$ 77,6 milhões para um projeto da Symbiosis Florestal, que prevê o plantio de 3 mil hectares, com 12 espécies nativas da Mata Atlântica conjugadas ou não com espécies exóticas. O financiamento foi, por sua vez, o primeiro voltado à silvicultura de espécies nativas no Brasil, e sua operação deve financiar 50% do plantio florestal.
Adicionalmente, a Symbiosis também conta com recursos do Restore Fund, fundo de US$ 200 milhões criado pela Apple para financiar projetos de combate às mudanças climáticas globalmente.
Essa empresa de DNA brasileiro tornou-se uma referência mundial em plantios de florestas de produção de espécies nativas e é reconhecida pelas suas práticas de respeito às pessoas e ao meio ambiente. Especializada em melhoramento genético, possui um viveiro próprio com capacidade para produção de 5 milhões de mudas anuais. Ao todo, em suas operações, emprega mais de 140 colaboradores diretos e 80 indiretos, sendo a maioria (75%) pertencente à comunidade local. Entre produzir e conservar, o projeto da Symbiosis abrange uma área de quase 2 mil hectares, nos quais já foram plantadas mais de 1 milhão e 300 mil árvores de 55 espécies.
Sem sombra de dúvida, esse é um novo padrão para a indústria madeireira tropical no mundo. A partir de um modelo de negócio pioneiro, a Symbiosis preserva e recupera florestas, rios e lagos, restabelecendo ecossistemas além de promover a diversidade da fauna e flora silvestre.
Outro caso também com foco na restauração da Mata Atlântica é a iniciativa da Biomas e a Carbon2Nature Brasil. Em julho, as empresas anunciaram parceria inédita para recuperar 1.200 hectares de florestas nativas em áreas de propriedade Veracel Celulose, no sul da Bahia. O Projeto Muçununga envolve o plantio de 2 milhões de mudas até 2027. Serão mais de 70 espécies, todas nativas, como araçá, copaíba, guapuruvu, ipê-amarelo, jacarandá-da-bahia e jatobá. Ao longo de 40 anos de monitoramento e cuidado com a floresta, o projeto removerá cerca 500 mil toneladas de carbono da atmosfera, gerando créditos de alta integridade. A iniciativa contribuirá para a mitigação da mudança climática e para a transformação social da região: serão mais de 80 empregos diretos e 15 comunidades envolvidas.
O setor de arvores cultivadas no Brasil é inovador e possui inúmeras experiências exitosas. Os processos de restauração e recuperação de áreas degradadas são essenciais para enfrentar a mudança do clima e conservar a biodiversidade, mas também para impulsionar o desenvolvimento territorial local, gerando renda para as comunidades próximas.
Todas essas notícias foram importantes sinais de validação de modelos de negócio sustentáveis voltados à economia verde. Também apontam para o enorme potencial do mercado de restauração, reforçando o papel das empresas associadas à Ibá na construção de soluções baseadas na natureza.
A restauração florestal é uma ferramenta poderosa para promover um desenvolvimento mais consciente. Ela pode aumentar os rendimentos, reduzir as emissões, aumentar a resiliência climática, evitar a conversão de terras, gerar emprego e renda para a população rural. Nesse sentido, a parceria entre empresas do setor de árvores cultivadas e os negócios voltados à restauração tem um papel essencial.
Esperamos muitas outras boas notícias por vir neste movimento sem volta de construção de um futuro mais sustentável para o Brasil.
*Ana Kanoppa é Coordenadora de Políticas Florestais e Sustentabilidade da Ibá.
Publicado na Revista O Papel.