Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o diretor florestal, Germano Vieira, conta que o grupo já possui um excedente de eucalipto de 100 mil hectares para suprir uma eventual ampliação industrial, em meio à nova fase na empresa que agora está “livre” do imbróglio com a Paper Excellence
Aos 71 anos de idade, o engenheiro florestal Germano Vieira é um apaixonado pelo setor e mostra emoção ao falar de um negócio que, na visão de muitos, poderia ser “apenas mais um” no gigante universo empresarial dos irmãos Batista.
A Eldorado Brasil foi criada em 2012 quando a J&F, holding controlada por Joesley e Wesley Batista, decidiu entrar no mercado de celulose. Na época o grupo já era o maior do Brasil em função da consolidação da global JBS, com suas tradicionais marcas Seara e Friboi, por exemplo, além dos frigoríficos em diferentes países.
Um ano antes da indústria operar, Germano Vieira entrou no grupo e o desafio era plantar boa parte das florestas que o projeto demandaria dali para frente.
“Quando eu cheguei tinha muito pouco, então nós começamos a plantar muito rapidamente, plantar uns 50 mil hectares todo ano para que a gente pudesse ter a indústria funcionando em 2012. E como o eucalipto demora seis, sete anos para crescer, nós tivemos também que fazer uma aquisição de madeira de terceiros”, lembrou Vieira, em entrevista ao AgFeed.
Foram anos de bastante crescimento até que em 2017, a J&F assinou um contrato para vender a Eldorado à canadense Paper Excellence, que pertence a um empresário da Indonésia.
Um ano depois, a holding dos irmãos Batista decidiu cancelar a venda, condição não aceita pelo comprador, portanto, iniciando uma longa disputa judicial, em âmbito internacional, que só foi solucionada em 2025, quando finalmente a J&F passou a ser, novamente, 100% controladora da Eldorado Celulose.
Virada essa página, a Eldorado – e também Germano Vieira – podem mais uma vez se debruçar aos planos florestais, com mais afinco, para que haja matéria-prima abudante, assim que a empresa decidir dar saltos mais ousados de expansão.
Em 2025 a Eldorado contabilizou cerca de 305 mil hectares plantados com florestas. É um pouco mais do que os 293 hectares do ano anterior.
No início de novembro a empresa chegou a sinalizar ao AgFeed que ampliaria em 40 mil hectares essa área total, já em 2026. Um cenário semelhante foi descrito ao site The Agribiz, que reportou a intenção da Eldorado de elevar dos históricos 25 mil hectares para 50 mil hectares o plantio de novas áreas no próximo ano.
Na ponta do lápis, porém, os acionistas da empresa decidiram, semanas depois, que ainda é cedo para dar um passo maior. Falta ajustar no detalhe as finanças da Eldorado, que ainda tem alta alavancagem e resquícios do imbróglio com a Paper Excellence para administrar internamente.
Além disso, na conversa com o AgFeed, Germano Vieira deixou claro que já está sobrando eucalipto na Eldorado, ou seja, o que se colhe hoje é mais do que suficiente para atender a indústria atual.
O sinal verde que falta para acelerar o plantio é a definição de uma data para colocar em prática um plano que já foi anunciado por Wesley Batista, em abril de 2024, prevendo um investimento de R$ 25 bilhões para a Eldorado.
O projeto prevê a montagem de uma segunda linha de produção em Três Lagoas (MS) dobrando a capacidade da empresa e incluindo a construção de uma ferrovia.
Para atender a segunda linha, seriam necessários no mínimo 450 mil hectares de floresta. Dessa forma a produção subiria para 4 milhões de toneladas de celulose, acima da capacidade atual de cerca de 1,8 milhão de toneladas.
Como ainda não se sabe exatamente quando essa obra começa, a Eldorado disse esta semana ao AgFeed que manterá a área plantada de florestas em aproximadamente 305 mil hectares em 2026.
Eldorado Celulose tem lucro de R$ 751 mi no 2º trimestre
Isso quer dizer que até serão semeados 25 mil hectares de áreas novas, porém, como todo um ano uma parte da floresta é colhida, esse saldo, ficará em patamares semelhantes ao de 2025.
Além do rigor financeiro, a empresa alega que ainda estaria confortável com essa “sobra” de eucalipto do cenário atual.
“Hoje nós temos madeira já sobrando, porque a segunda linha que estava prevista, ela acabou não acontecendo ainda. Nós temos 305 mil e nós usamos de 200 mil hectares. Então sobra um terço do que nós temos, é uma madeira excedente”, explicou Germano.
Esse volume, segundo o executivo, estaria sendo comercializado para outras indústrias do setor, permutado ou sendo mantido como estoque estratégico. “Estamos fazendo algumas ações nesse sentido, para exatamente esperar o momento certo da gente consumir.”
O modelo da Eldorado consiste basicamente no arrendamento das terras para que a própria empresa execute as atividades florestais. Apenas 5% das terras são próprias.
Anos atrás, algumas empresas ainda apostavam mais no sistema semelhante a integração do setor de proteína, onde produtores rurais plantavam e forneciam à indústria. Vieira diz que a Eldorado acabou sendo pioneira nesse modelo de arrendamento em Mato Grosso Sul, que seria bem mais eficiente para as áreas extensas da região, o que acabou sendo adotado também por outras empresas.
Caso ampliasse em 40 mil hectares a área no ano que vem, somente com as atividades de plantio, a Eldorado gastaria cerca de R$ 350 milhões. Isso porque, segundo o diretor, o custo médio do plantio fica hoje em torno de R$ 8.700 por hectare. Ele calculava, na época, que o orçamento da silvicultura subiria cerca de 50% em 2026.
Um projeto de expansão, no entanto, inclui diversos outros custos como o próprio arrendamento da terra, a manutenção das florestas, o controle de incêndios e pragas e as ações de pesquisa e desenvolvimento.
Germano Vieira explicou que uma nova fábrica demora cerca de 3 anos para ficar pronta. Portanto, a partir do momento que a decisão for tomada, ao elevar em 50 mil hectares por ano a expansão de cultivo, também em três anos seria possível chegar ao alvo de 450 mil hectares.
Como ainda há o excedente a ser trabalhado, a empresa poderia se dar ao luxo de não crescer agora e ainda assim decidir erguer a fábrica a partir de 2027, por exemplo. Mas esses cenários são apenas hipóteses, por enquanto.
“Termômetro da felicidade”
Enquanto os planos de expansão da companhia não aceleram, Germano Vieira contou com entusiasmo, ao receber o AgFeed na sede da empresa em São Paulo, ações que vem criando e implementando com foco na atração e retenção de funcionários.
Mato Grosso do Sul vive uma onda de investimentos por parte de diferentes indústrias do setor de papel e celulose, muitos deles em pequenas cidades, com baixa oferta de mão de obra, por isso atrair e manter os trabalhadores tem sido um desafio para as empresas. Fora esse obstáculo, a outra grande questão a ser resolvida é a busca de novas terras para arrendamento.
A Eldorado Brasil tem cerca de 6 mil funcionários, sendo 3 mil na área florestal. Quando decidir acelerar a expansão, deverá precisar de no mínimo mais 500 pessoas.
Vieira diz que nos últimos começou a refletir sobre melhorias que poderia fazer para tornar os funcionários da Eldorado “mais felizes”.
“A gente vai ficando velho e começa a ter um outro olhar para o mundo. Comecei a me perguntar, será que estes 3 mil funcionários estão felizes trabalhando comigo?”, contou ele.
A partir daí foi criada uma política com 4 pilares. O primeiro deles seria adaptação e conforto. Todos os funcionários agora são transportados em ônibus com ar condicionado e mais de 70% da equipe faz o trabalho de campo com o uso de cabines. No chamado “Nossa Gente”, também se decidiu instalar internet da Starlink em todas as áreas florestais e também nos ônibus – uma demanda que veio por parte dos trabalhadores.
Outra ação, chamada de “Prato no Ponto”, procurou melhorar a alimentação que é fornecida às equipes. A empresa aderiu a um sistema chamado de EldBox (caixas inteligentes que controlam o descongelamento e aquecimento das refeições).
O trabalhador escolhe o cardápio por meio de um aplicativo e programa a hora exata que o prato deve estar pronto. Segundo o diretor, a comida é servida com a mesma qualidade e temperatura que oferece o refeitório. A tecnologia estaria eliminando o conceito de “boia fria”, mesmo nas áreas florestais mais remotas, diz a Eldorado.
Os outros pilares tratam de relacionamento entre líderes e equipe, com foco em “respeito e escuta ativa”, além de temas como carreira e família. Estão sendo oferecidos treinamentos de capacitação para incentivar a mobilidade interna, em diferentes funções e há a oferta, por exemplo, de serviços de telemedicina nas pequenas cidades de Mato Grosso do Sul, onde é mais difícil ter acesso a médicos especialistas.
“Então, isso para mim é um termômetro. É um termômetro de felicidade. Não é que eu vou medir se a pessoa está feliz ou não, mas eu tiro tudo aquilo que pode gerar infelicidade”, afirmou Germano Vieira, no auge dos seus 40 anos de experiência na área florestal.
Foco na produtividade e na resiliência climática
Outra preocupação importante do diretor florestal da Eldorado Brasil é manter suas áreas de eucalipto em altos níveis de sanidade e produtividade, mesmo em períodos desafiadores do ponto de vista climático.
O desenvolvimento genético do eucalipto é um dos pilares da estratégia. Segundo Germano Vieira, a empresa mantém um processo contínuo de pesquisa voltado à seleção de materiais mais produtivos e adaptados às condições ambientais do Mato Grosso do Sul.
O trabalho começa na construção de uma base genética ampla, formada a partir da origem do eucalipto.
“A gente tem um processo muito forte, robusto em conseguir novos materiais genéticos. Na Austrália, por exemplo, buscamos várias espécies de eucaliptos que poderiam ser interessantes pra gente”, disse.
Com o trabalho de melhoramento, por meio de cruzamentos, os melhores são identificados e são os feitos os clones, para chegar no maior potencial. “A cada 33 mil sementinhas dessa, a gente cruza e tira um clone de elite”.
Com áreas cada vez mais extensas de eucalipto no estado, aumentam os desafios em relação a pragas e também ao clima.
“Tem o déficit hídrico, a gente tem observado nos últimos três ciclos de eucalipto, o regime de chuva tem diminuído.” Esses fatores exigem maior cuidado na escolha dos materiais genéticos.
Atualmente, a produtividade média das florestas da empresa está em torno de 40 metros cúbicos por hectare, mas 20% da área já alcança 55 metros cúbicos. O maior objetivo têm sido manter bons níveis de rendimento mesmo com o clima não tão favorável.
“A gente vai crescendo a produtividade, crescendo um pouco, mas você briga também pela sobrevivência, pela garantia da madeira”, admite.
Ele lembra que há 30 anos a produtividade era de 10 metros cúbicos por hectare, na silvicultura brasileira.
A Eldorado diz não trabalhar com eucalipto transgênico e entre os motivos estaria a importância das certificações ambientais no setor.
Para o controle de pragas, a empresa informa que está aumentando o uso de biológicos. Em 2025, o controle biológico foi aplicado em cerca de 80 mil hectares. A exceção seria o combate às formigas, que hoje representam a principal praga na cultura do eucalipto e que ainda são controladas por meio de inseticidas químicos. “Excluindo formigas, entre 80% e 90% do controle de pragas já é biológico”, afirmou Vieira.
Entre outros aspectos ligados à sustentabilidade, o diretor garante que a Eldorado também vem evoluindo. O balanço de carbono, por exemplo, é positivo, afinal “70% da árvore é carbono”.
A biodiversidade é medida dentro das florestas cultivadas e também nas áreas de reserva legal e preservação permanente. A Eldorado conta com 100 mil hectares de preservação.
Sobre as críticas que volta e meia se apresentam ao setor florestal, em função de ser uma monocultura, Germano Vieira discorda. Ele lembra que em Mato Grosso do Sul, por exemplo, 50% do estado são pastagens e apenas 4% são áreas de eucalipto.
Se depender dele, a produção seguirá crescendo, afinal, “o Brasil é o país mais competitivo do mundo em celulose”. Segundo Germano, o consumo global cresce cerca de 1 milhão de toneladas por ano, exigindo “uma nova fábrica”, semelhante à Eldorado, a cada um ano e meio.






