O ouro verde em stand-by: a resposta brasileira à crise global da madeira nobre

A escassez de madeiras nobres avermelhadas no mercado mundial, causada pela superexploração histórica e regulamentações rigorosas, transformou a busca por alternativas de reflorestamento na principal aposta da silvicultura.

Neste cenário, o mogno africano de cultivo surge como a solução ideal, mas a realidade dos produtores brasileiros revela que o “ouro verde” é um investimento de longo prazo, onde o lucro real exige muito mais do que apenas plantar.

Mogno africano / Créditos: Divulgação Milton Frank

Para entendermos essa situação, conversamos com Milton Frank, ex-diretor técnico da Associação Brasileira dos Produtores de Mogno Africano (ABPMA) e hoje consultor técnico da área.

A crise global força a mudança de rota

A madeira avermelhada está desaparecendo do mercado global. Milton destaca que espécies como o mogno, redwood e o mogno africano nativo estão sob pressão. Além disso, a escassez dos estoques naturais de Khaya na África tem impulsionado o aumento dos preços e a valorização do cultivo.

É fundamental ressaltar que a escassez da madeira avermelhada não se deve à queda na demanda, mas sim às restrições legais e à oferta insuficiente. O consumidor continua procurando essa madeira, mas não a encontra com a mesma abundância de antigamente.

A situação é crítica para espécies tropicais nativas:

  • O sapele (Entandrophragma cylindricum), outro tipo de mogno africano, é classificado como “Vulnerável (VU)” na Lista Vermelha da IUCN devido à redução populacional por exploração comercial.
  • A afzelia foi incluída no Anexo II da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas) em 2023, o que impõe regras rigorosas de documentação e exportação, reduzindo drasticamente o volume de importação nos EUA.
  • Madeiras brasileiras cobiçadas como Ipê e Cumaru também foram incluídas na CITES, impondo desafios e regulamentações adicionais à sua comercialização.

Mogno africano / Créditos: Divulgação Milton Frank

A tendência é clara: o mercado, especialmente na Europa, foca em certificação ambiental (FSC, PEFC) e legalidade comprovada, elevando o valor de madeiras plantadas como o Teca (Tectona grandis), que está em alta nos EUA por sua durabilidade e certificação viável.

Mercado de madeira final

O boom de plantio de mogno africano ocorreu entre 2012 e 2018, abrangendo as espécies K. grandifoliola e K. senegalensis. As florestas estão, em sua maioria, com 8 a 12 anos de idade, e estão apenas na fase de primeiro desbaste.

“Não existe mercado de mogno africano ainda no Brasil. O que existe hoje é venda de madeira de desbaste”, afirma Milton.

A madeira jovem de desbaste não tem o cerne maduro, apresentando defeitos como medula e “pinta preta”. Ela é classificada como Classes A, B e C, sendo usada para fins menos nobres, como caibros, pallets ou lenha.

Veja mais na tabela abaixo:

ClasseDescriçãoEspessura (cm)Valor Aproximado (R$/m³ FOB)
ABruta2.5 ou 4.0R$ 3.800,00 – R$ 3.980,00
BBruta2.5 ou 4.0R$ 2.800,00 – R$ 2.890,00
CBruta2.5 ou 4.0R$ 1.800,00 – R$ 1.860,00

(Tabela de preços praticada pela ABPMA com base no associado R3 Mogno para madeira serrada seca em estufa de desbaste) – Divulgação Milton Frank

O cansaço e a agregação de valor

O ciclo de 20 anos para o retorno do investimento tem levado muitos produtores ao desânimo. Um CEO de uma das maiores empresas do setor no país admitiu: “se eu soubesse que esse negócio era assim, eu não teria feito isso…”

O caminho para o lucro exige investimento e transformação. Para Frank, a regra é agregar valor. “Vender a madeira em tora ou “em pé” é considerado “dar um tiro no pé”. O produtor precisa de dinheiro para serrar e criar produtos”, afirma.

Quanto ao lucro, apenas com a transformação e agregação de valor é possível atingir lucros significativos. Ao transformar o mogno africano de desbaste em produtos gourmet (como tábuas de churrasco, bandejas e ornamentos), o produtor pode atingir um lucro líquido de até R$ 30.000 por metro cúbico da madeira. No entanto, para alcançar essa valorização, ele precisa investir cerca de R$ 5 milhões em maquinário.

O risco genético

O grande desafio futuro é a qualidade da madeira. Conforme Milton, não há projetos sérios de melhoramento genético no Brasil. O desenvolvimento de um clone confiável levaria, no mínimo, 40 anos de testes.

“O que é vendido como clone hoje é, em grande parte, material não testado, feito por estaquia de mudas vigorosas. Essa prática improvisada, apelidada de clones ‘fajutos’ ou ‘picaretas’, gera um risco: as árvores podem desenvolver doenças, entortar ou produzir madeira de baixa qualidade no futuro”, declara.

A esperança para a profissionalização do melhoramento genético reside na atuação de grandes players, como a Cenibra, que recentemente adquiriu 5.000 hectares de florestas de mogno. A empresa possui expertise em melhoramento de eucalipto (ex: Clone Cenibra 10) e pode ser a catalisadora da inovação no setor.

Milton Frank / Divulgação

“O meu maior sonho é ver os senhores Júlio Ribeiro, que é o atual presidente da CENIBRA, e o Sr. Fumito Nagasaki, que é o assessor do presidente da CENIBRA, comprando a ideia de desenvolver este clone. Sei que isso custa muito dinheiro, mas a CENIBRA é a CENIBRA. É uma empresa campeã que mora no fundo do meu coração. Foi a empresa que me colocou no contexto de Florestas plantadas, já que trabalhei durante 18 anos nela como Consultor de Produtividade e Assessor Florestal da Superintendência Florestal”, afirma Milton Frank.

O mogno africano de cultivo é, inegavelmente, a madeira do futuro, impulsionado pela falta de madeira avermelhada no mundo. Entretanto, o produtor precisa de visão, capital para agregar valor e, principalmente, de um avanço urgente no melhoramento genético para garantir a qualidade da madeira que o mundo estará desesperadamente buscando nas próximas décadas.

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