Em entrevista ao GLOBO, André Aquino, o assessor especial do MMA que negocia a criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) diz que o mecanismo deve trazer o equivalente a R$ 5 bilhões por ano ao tesouro
O principal negociador do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para a criação internacional do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) afirma o Brasil deverá conseguir captar com países investidores um valor anual equivalente a três vezes o orçamento atual da pasta.
Após participar de evento com empreendedores da área de sustentabilidade, André Aquino, assessor especial de economia da ministra Marina Silva, diz que as negociações para o fundo estão avançadas. Representantes dos dez países envolvidos na iniciativa estarão na COP30, a conferência do clima de Belém, com a possibilidade de assinar o acordo já em novembro.
“Nós fizemos alguns cálculos, e é expressivo para o Brasil o volume de pagamentos possíveis”, afirmou. “Nós estimamos que o Brasil poderia receber mais de R$ 5 bilhões de reais anualmente.”
Em entrevista ao GLOBO após participar da Brazil Climate Investment Week, em São Paulo, Aquino explica como deve ser o mecanismo que permitirá ao novo fundo operar.
O TFFF acabou se tornando uma métrica de sucesso para a COP30? Com a dificuldade de avançar as negociações dentro do Acordo de Paris, ele pode ser o principal elemento concreto saindo da conferência em Belém?
O TFFF é um mecanismo bastante concreto que visa levantar cerca de US$ 4 bilhões anualmente e perpetualmente, basicamente para os países tropicais. Então ele é realmente é uma transformação nas finanças para a floresta. Ele aumenta a quantidade de financiamento para a conservação de uma maneira exponencial, e conservar as florestas é essencial para os objetivos da COP do clima.
Como a gente depende das florestas para colocar de pé o TFFF, isso é, sim, uma grande conquista que envolve o governo brasileiro, mas não só, porque o TFFF está sendo construído de uma maneira coletiva com 11 outros países, com povos indígenas… Estamos trabalhando muito próximos da aliança global de territórios coletivos, da sociedade civil e diversas ONGs. Esse mutirão pelas florestas tem como objetivo grande a concretização do TFFF na COP30 em Belém.
De que maneira ele vai ser assinado? O TFFF vai estar sacramentado no texto de decisão da COP?
O TFFF não faz parte da convenção de clima. Ele não é parte das negociações. Nós estamos tratando dele, de certa forma, como parte da agenda de ação. Ele está sendo discutido de maneira bilateral e multilateral entre países.
Por exemplo, temos utilizado o fórum do BRICS para discutir com possíveis países investidores. Nós acreditamos que num futuro, talvez não agora, a China possa ser um país investidor do TFFF.
Estamos utilizando diferentes fóruns para negociar, para atrair mais apoio a essa ideia, particularmente para mobilizar os aportes financeiros iniciais.
Que países doadores estão na mesa até agora?
São seis, mas a gente não usa o termo ‘doador’, e sim ‘investidor’, porque eles terão retorno. Isso é muito importante, não é só semântico, porque significa que a gente não está procurando os orçamentos de ajuda oficial ao desenvolvimento, que estão sendo reduzidos mundo afora pela situação geopolítica que estamos vivendo.
Dos seis países, quatro são europeus: Alemanha, Reino Unido, França e Noruega, que são parceiros tradicionais na agenda de florestas e no Fundo Amazônia. Os Emirados Árabes também estão. O último era, até o ano passado, os Estados Unidos. Até antes da mudança do governo eles estavam muito engajados, agora não estão.
Na outra ponta nós temos cinco países tropicais. Tem os três maiores, que são Brasil, Indonésia, e República Democrática do Congo. Os outros são Colômbia, Gana e Malásia. Isso veio da formação, no ano passado, de um comitê diretivo informal que está pautando essas discussões. Mas o governo brasileiro tem estado em diálogo com diversos outros países sobre o TFFF.
O Brasil já tem projetos hoje de REDD+, que o recompensam pela redução do desmatamento por meio da emissão de créditos de carbono. Se a proposta do TFFF não gera créditos de carbono, como os países investidores serão recompensados?
O TFFF é um mecanismo financeiro, ele é basicamente a criação de um ‘fundo fiduciário’. Ele parece muito com esses mecanismos de universidades americanas, os ‘endowments’. O que ele vai ser é um enorme ‘endowment fund’ global.
Esse valor que nós conseguiríamos levantar vai ser investido em mercados de capitais. O retorno desse investimento vai ser deduzido do pagamento aos investidores iniciais, e disso vai restar um ‘spread’, uma diferença,’ que vai ser distribuída. É o valor dessa diferença que a gente espera que seja de US$ 4 bilhões anuais.
Então, o TFFF remunera seus investidores por meio de uma transação no mercado financeiro.
Hoje no Fundo Amazônia o dinheiro arrecadado é investido na preservação da floresta e do ambiente. O dinheiro do TFFF vai ser direcionado para o trabalho de fiscalização do desmate ou para as comunidades que estão preservando a floresta?
O TFFF é um mecanismo de pagamento por resultado. O país recebe um valor baseado na área, em número de hectares, de florestas conservadas. Ou seja, o TFFF busca criar incentivos em escala para mudar a forma como a floresta é gerida e gerar conservação.
Não é intenção do TFFF direcionar o uso dos recursos. Mas há uma exceção muito importante, que é uma grande vitória dos povos indígenas apoiados pelo Brasil: o TFFF vai exigir que pelo menos 20% dos fundos cheguem diretamente aos povos indígenas e comunidades tradicionais. Isso vai ser feito por um mecanismo a ser desenhado, que demonstre que esses recursos vão chegar na ponta.
Para o resto dos pagamentos, o TFFF tem algumas regras. Os países têm que ter um sistema de gestão financeira transparente, por exemplo, que seja avaliado pelo Banco Mundial. E eles têm que demonstrar, de uma maneira geral, como pretendem usar os recursos para conservar a floresta. Por exemplo, precisam mostrar quais são as políticas nacionais e quais são os programas nos quais eles pretendem usar esses recursos.
De todo modo, não é a ideia do TFFF direcionar nem monitorar o uso desses fundos, dado o respeito à soberania nacional dos países tropicais e dado o fato de que eles vão ser remunerados pelo resultado.
Mesmo não estando na agenda oficial da Convenção do Clima, uma decisão sobre o fundo vai sair já pronta da COP30?
Essa é a grande aposta. Achamos que nós conseguiríamos isso, em parte como resultado do nosso mutirão da COP e do foco na floresta. A COP30 não não é uma COP ‘da’ floresta, é uma COP ‘na’ floresta. Mas ela é um momento para conseguirmos angariar um volume de apoio, inclusive de promessas financeiras, e conseguirmos finalizar o diálogo com o banco multilateral de desenvolvimento que hospedaria o fundo. Estamos bem empenhados nisso.
A ideia é que seja o Banco Mundial ou o BID?
Hoje o diálogo oficial em curso é feito com o Banco Mundial, pelo Ministério da Fazenda.
O que falta de concreto para ser feito um anúncio do fundo na COP30? As pessoas que precisariam assinar isso estarão todas lá?
Sim. Essa discussão é com o Itamaraty, que nos lidera nessa modalidade. Existe a intenção de que utilizemos o momento da COP para isso. Exatamente como vai ser feito, em qual trilha, ainda está sendo decidido, mas a intenção é sim esse lançamento na COP30.
Dos US$ 4 bilhões que se espera arrecadar com o fundo, o Brasil ficaria com a maior parte, por ter mais florestas?
Sim. Nós fizemos alguns cálculos, e é expressivo para o Brasil o volume de pagamentos possíveis. Nós estimamos que o Brasil poderia receber mais de R$ 5 bilhões (~US$ 900 milhões), com a cobertura florestal que temos hoje e as taxas de desmatamento. Isso equivale a três vezes o orçamento discricionário do Ministério do Meio Ambiente. É um volume considerável para fazer políticas públicas, para bioeconomia, para pagamento por serviços ambientais, com a intenção de conservação das nossas florestas tropicais: Amazônia e Mata Atlântica.
Mesmo que o dinheiro não seja atrelado a ações ambientais, então, a ideia é que ele seja alocado nisso? Ou a arrecadação vai de modo genérico para o Tesouro Nacional?
Nós estamos focados nas discussões sobre o desenho do fundo globalmente. As discussões sobre a alocação do fundo no Brasil a gente ainda não começou.
Mas nós temos que lembrar que nós só teremos pagamento se realmente conservarmos a floresta. Logo, esses recursos deveriam ser utilizados para programas que direta ou indiretamente contribuam para o objetivo de conservação da floresta. Então, a expectativa é que esses fundos sejam usados em programas, políticas de conservação da floresta.
Particularmente, é importante que esses recursos cheguem mesmo na base, para pequenos produtores rurais, para proprietários rurais, para povos tradicionais, para indígenas. Algo que a nossa ministra, Marina Silva, enfatiza muito é que o TFFF seja um mecanismo para fazer a transformação da qual nós falamos tanto: fazer com que a floresta em pé valha mais do que a floresta cortada.
O MMA tem apoiado outras iniciativas de conservação, como REDD+, que gera créditos de carbno, e as concessões florestais para exploração sustentável em unidades de conservação. A ideia do TFFF é cobrir as áreas não contempladas por esses outros programas?
A ideia é levar em conta que existem diferentes objetivos na floresta: a gente tem que conservar a floresta, tem que reduzir desmatamento, tem que restaurar.
Para a conservação da floresta, estamos tentando o TFFF, que paga pelo estoque de floresta.
Para a redução do desmatamento, temos diferentes mecanismos, desde o PPCDam (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal ) ao Fundo Amazônia. O REDD+ ‘jurisdicional’, que é feito em nível de estado, pode dar um aporte extremamente importante para ajudar na redução do desmatamento.
E para a restauração existe todo um movimento do setor privado de mobilizar capital para restaurar. Com a possibilidade do mercado de carbono voluntário, por exemplo, existe uma cesta de instrumentos que dão robustez à agenda de florestas.
O TFFF, sem dúvida, pela liderança do Brasil e pelo momento que estamos atualmente, é a cereja do bolo. Nós acreditamos que é uma ideia cujo tempo chegou.
O retrocesso que está se desenhando agora na lei de licenciamento ambiental aprovada no Senado pode atrapalhar essa agenda? A ministra tem sempre insistido que a redução do desmate não vem sem investimento e sem esforço.
Eu acho que justamente é isso que estamos tentando fazer com o TFFF, com o mercado de carbono, a mobilização do setor privado, com o Plano Safra com linhas para a agricultura sustentável. Tudo isso tem o objetivo de mudar essa equação na qual a floresta em pé valha mais.
Agora, os riscos existem, vão continuar a existir, e a demanda pelos nossos produtos continua. O que nós temos que fazer é usar essas oportunidades para a intensificação do uso do solo, para a gente continuar a produzir com uma agricultura pujante que o Brasil tem, de alta tecnologia, em menores espaços, sem ameaçar a floresta.
Esses instrumentos econômicos e financeiros diversos estão todos buscando aumentar o volume de recursos para mudar a balança em favor da conservação.
Informações: O Globo.