A liderança brasileira no mercado global de celulose deve muito a um norueguês que começou a plantar eucalipto no Espírito Santo em 1967. Nas décadas seguintes, Erling Lorentzen transformaria a Aracruz Celulose em símbolo do setor e numa pioneira na exportação para a China, com foco na celulose de fibra curta como commodity.
Agora, a família quer encontrar uma nova Aracruz na economia verde. A Lorinvest, gestora de investimentos dos Lorentzen, aportou R$ 2 bilhões em 14 empresas entre 2009 e 2024.
Peter Boot (foto), diretor-executivo, nota uma característica comum entre as companhias do portfólio: a pesquisa tecnológica de alto nível e de potencial disruptivo. “E a sustentabilidade é um critério prioritário. Se não for sustentável, não vamos investir”, diz.
É o caso da Sileto, que desenvolve materiais que não usam água para a substituição do cimento e do concreto, bases de um dos setores mais poluentes do mundo, a construção civil. A empresa tem uma fábrica no Estado americano da Flórida — de olho no fato de que a costa leste americana sofre com a falta do calcário, matéria-prima do cimento.
A New Wave, também no portfólio, quer usar uma espécie de micro-ondas para transformar resíduos de bauxita em ferro de baixo carbono. Uma planta experimental de R$ 250 milhões deve entrar em operação ano que vem, no Pará.
“É esse tipo de alma que buscamos nas empresas”, diz Boot.
Em nome do rei
Erling Lorentzen morreu aos 98 anos, em 2021, dois anos após a venda da Fibria, surgida da fusão entre Aracruz e Votorantim Celulose e Papel, para a Suzano, dando origem à maior produtora de celulose de eucalipto do mundo.
Na Lorinvest, o filho Haakon Lorentzen preside o conselho de administração, enquanto o neto Christian Lorentzen é o vice-diretor executivo. Mas, dada a discrição da família, o rosto da gestora é Peter Boot.
Ele chegou à empresa após ter sido o diretor financeiro da New Steel, investida do portfólio vendida para a Vale em 2018 por US$ 500 milhões – e que foi fundada pelo mesmo criador da New Wave.
O diretor-executivo explica que a gestora não capta dinheiro de terceiros. Todos os recursos são da família Lorentzen. Boot não é fã do termo family office.
“Estamos investindo em ideias sustentáveis do setor produtivo, gerando empregos. Family office parece que é uma família que há cinco gerações só investe em papéis líquidos para gerar dividendos. Não é o nosso caso.”
Sem divulgar porcentagens, Boot afirma que a Lorinvest realiza investimentos relevantes, mas que não costumam ser controladores das investidas. E ele não acredita em nenhuma “tecnologia limpa” que se cria em cima de subsídio governamental. Para receber um aporte da Lorinvest, um negócio precisa ter potencial para escalar com preço competitivo, mesmo que a longo prazo. “O que chamam de impossível são, na verdade, apenas coisas que demoram mais tempo.”
Passado e presente
Não há como descolar a história de Erling Lorentzen do portfólio da Lorinvest. O norueguês chegou ao Brasil após a Segunda Guerra Mundial, na qual desempenhou diversas funções na resistência aos nazistas. Veio a negócios, pois sua família estava no ramo do transporte de gás liquefeito de petróleo (GLP). O produto era vendido para a Esso Gás, à época com 90 mil clientes. Quando a Esso decidiu vender sua parte para Erling, a empresa escalou para mais de 2 milhões de clientes.
Mais tarde, a companhia foi vendida para a Supergasbras – e foi com esse dinheiro que a empreitada da Aracruz Celulose teve início. O espírito navegador da família, porém, persistiu. Hoje, uma das estrelas do portfólio é a Norsul, de navegação logística. A empresa faturou R$ 1,4 bilhão no ano passado e, recentemente, comprou a operação de cabotagem da Hidrovias do Brasil por R$ 715 milhões.
É um bom exemplo de como as atividades do portfólio estão estrategicamente conectadas: a compra desta fatia da Hidrovias do Brasil garante à Norsul um contrato até 2034 para transportar bauxita da mina de Porto Trombetas, no oeste do Pará, até Barcarena, no nordeste paraense, onde está a refinaria Alunorte, da mineradora norueguesa Hydro.
E onde também estará a planta da New Wave, que receberá resíduos da Hydro para iniciar seus experimentos.
A transação acrescentou 4 milhões de toneladas ao volume da operação da Norsul, que transportou 14,2 milhões de toneladas em 2024.
No mesmo ramo, a Lorinvest tem ainda a Norcoast, que transporta contêineres via navegação costeira, e a Bioren, que lida com o impacto socioambiental por um ângulo bem fora do óbvio: a empresa usa campos eletromagnéticos para evitar acúmulo indesejado de bactérias, algas e plantas em cascos de navios.
É um método que evita a liberação de substâncias tóxicas no ambiente marinho, substituindo tintas com biocidas de origem química, como cobre e tributilestanho, que contaminam os mares e representam riscos para a vida marinha.
E o gás? Bem, ele segue presente nos negócios da família por meio da GNLink, distribuidora multimodal de gás natural com foco no interior do Brasil, e da GBS Storage, que trabalha com infraestrutura para estocagem de gás natural.
O plano é usar o campo de Manati, na Bahia, para a estocagem do gás natural proveniente do pré-sal e, com isso, ajudar na estabilização do sistema energético do país, explica Peter Boot.
A empresa detém 20% de participação no campo, em sociedade com a Petrobras (35%) e a Brava Energia (45%).
A expectativa é que a vida útil econômica do campo se encerre até 2028, prazo considerado suficiente para que, caso a decisão de conversão seja tomada agora, o consórcio consiga encomendar os equipamentos necessários e obter a autorização regulatória para operar o serviço de armazenamento.
Uma vez aprovado o investimento, a adaptação deve durar entre 12 e 18 meses e a capacidade inicial de armazenamento é de cerca de 300 milhões de m³ de gás.
O futuro
A gestora também tem investimentos que não requerem tanto capital nem são baseados em ativos físicos. A Dharma, investida mais recente do grupo, desenvolve modelos de inteligência artificial do tipo small language models (SLMs), tidos como mais sustentáveis do que os de large language models (LLMs), como o ChatGPT, por usar menos energia para treinamento e operação.
Assim como a GBS, New Wave e Siletto, a Dharma está na corrida para ser uma nova Aracruz, na opinião de Boot.
São todas empresas operacionais, mas que, em sua maioria, não têm nem cinco anos de vida, sendo classificadas por Boot como startups.
“Temos algumas joias aqui, que lapidamos, proporcionalmente, com investimentos muito pequenos perto do que elas podem se tornar”.
Informações: Capital Reset / UOL






