*Artigo de Cícero Ramos.
O manejo florestal sustentável é uma das abordagens mais eficientes e inteligentes para combater o desmatamento ilegal, ao mesmo tempo em que permite a exploração econômica da floresta, garante a manutenção de serviços ambientais, e contribui para a geração de empregos, distribuição de renda e desenvolvimento regional na Amazônia. Essa prática também resulta em maior arrecadação de impostos, oferece segurança jurídica ao setor florestal e favorece a conservação da biodiversidade local para gerações presentes e futuras. O manejo florestal não se compara a qualquer forma de remoção de vegetação, mesmo que legal.
Para entender como essa prática surgiu, precisamos voltar no tempo. A escassez gera a invenção, e foi a partir da escassez de madeira que surgiu a ideia do manejo florestal sustentável, com o objetivo de conservar as florestas. Na Saxônia do século XVII, a madeira era um recurso estratégico, essencial para a mineração e a economia local. No entanto, a exploração descontrolada levou ao risco de esgotamento, exigindo soluções urgentes.
Hans Carl von Carlowitz (1645–1714), membro de uma família com tradição em silvicultura e que trabalhou como diretor de mineração em Freiberg, foi o responsável por apresentar uma solução, publicando em 1713 a obra Sylvicultura oeconomica. Carlowitz defendia o uso sustentável das florestas, argumentando que a extração de madeira deveria ser limitada à capacidade de regeneração da floresta, ou seja, não se deve derrubar o estoque de árvores maduras da floresta até que se observe que há crescimento suficiente no local. Ele baseava seus argumentos no conceito de “bem comum”, tanto para a comunidade quanto para as gerações futuras, introduzindo, assim, a ideia de sustentabilidade.
A visão de Carlowitz não só sobreviveu ao tempo como se tornou a base do manejo florestal atual, ao relacionar a intensidade da exploração à capacidade de suporte ambiental da floresta e definir ciclos de corte alinhados ao tempo necessário para a recuperação dos volumes extraídos. Foi a Engenharia Florestal que introduziu o manejo florestal sustentável no Brasil, uma vez que a exploração de florestas nativas anteriormente era feita de maneira empírica, sem o devido suporte técnico. O manejo florestal sustentável é, de fato, uma das poucas atividades de uso do solo que mantém a cobertura florestal enquanto gera renda a partir da floresta em pé. Essa prática é fundamental para conciliar a produção econômica com a conservação ambiental, garantindo a sustentabilidade dos recursos naturais.
No Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 225, § 1º, I, estabelece que é de responsabilidade do Poder Público “prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas. A Lei de Proteção às Florestas Nativas (Lei nº 12.654/12) define o manejo sustentável como a administração da vegetação natural, visando benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando os mecanismos de sustentação do ecossistema e considerando a utilização de diversas espécies madeireiras e não madeireiras, além de outros produtos e serviços da flora. Assim, qualquer empreendimento com vistas à exploração florestal de áreas públicas ou privadas requer licenciamento ambiental, com a aprovação prévia de um Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS), sob responsabilidade técnica de um profissional da Engenharia Florestal, conforme o artigo 10 da Resolução Confea nº 218/73 e a alínea “a” do artigo 1º da Lei 5.196/66.
O Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) é um instrumento essencial para garantir a exploração responsável dos recursos florestais, alinhando a produção com a conservação ambiental. Para isso, ele deve atender a uma série de fundamentos técnicos e científicos, que incluem a caracterização dos meios físico e biológico, determinação do estoque existente, intensidade de exploração compatível com a capacidade de suporte ambiental da floresta, ciclo de corte compatível com o tempo de restabelecimento do volume de produto extraído da floresta, promoção da regeneração natural da floresta, adoção de sistema silvicultural adequado, adoção de sistema de exploração adequado, monitoramento do desenvolvimento da floresta remanescente e adoção de medidas mitigadoras dos impactos ambientais e sociais.
No manejo florestal, são identificadas as árvores maduras que poderão ser colhidas da floresta seguindo os requisitos estabelecidos pela legislação, sendo retiradas, em média, de três a cinco árvores por hectare, as árvores jovens (remanescentes) que permanecerão na floresta, as árvores porta-sementes (mães) que serão responsáveis pela renovação da floresta, além das árvores protegidas por lei, como é o caso da Castanheira (Bertholletia excelsa Bonpl.), por exemplo. Após a exploração das árvores maduras selecionadas para manejo, por meio de técnicas de exploração de impacto reduzido (EIR), ocorre uma abertura no dossel das copas que permite a entrada de luz na floresta, estimulando a regeneração natural e o banco de plântulas, favorecendo o crescimento em diâmetro e incremento volumétrico das árvores, por meio da fotossíntese, retiram o dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera e o transformam em oxigênio (O₂), contribuindo para o equilíbrio ambiental e a sustentabilidade dos ecossistemas florestais.
Além disso, políticas públicas que incentivam a compra de madeira proveniente do manejo sustentável são essenciais para proteger as florestas nativas. A cadeia de custódia, que garante a rastreabilidade da madeira desde a origem até o consumidor, assegura que os produtos florestais estejam em conformidade com as melhores práticas sustentáveis, respeitando as leis e beneficiando as comunidades locais.
O manejo florestal na Amazônia está alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especialmente com os objetivos de trabalho decente, crescimento econômico, consumo e produção responsáveis, ação contra as mudanças climáticas, vida terrestre e parcerias para a implementação de ações. Portanto, é fundamental promover um entendimento mais aprofundado do manejo florestal sustentável e da cadeia produtiva da madeira, considerando tanto os aspectos ecológicos quanto socioeconômicos. Reforçando práticas florestais sustentáveis e a inovação baseada na ciência e engenharia florestal são essenciais para proteger as florestas, gerar renda e mitigar as mudanças climáticas, integrando o uso dos recursos florestais com estratégias de conservação ambiental.
O conceito de manejo florestal sustentável, proposto por von Carlowitz há mais de três séculos, permanece atual. Ao revisitar suas ideias, fica evidente que a sustentabilidade vai além de uma simples necessidade; ela se apresenta como uma oportunidade valiosa para inovar e criar um futuro mais equilibrado, garantindo que as florestas possam continuar gerando riqueza sem se esgotar.
*Cícero Ramos é engenheiro florestal e vice-presidente da Associação Mato-grossense dos Engenheiros Florestais.