Exclusivo – “Fustegando” e tripudiando o transporte florestal

Artigo por Sebastião Renato Valverde[i], Marcelo Moreira da Costa[ii] e Tiago Guimarães[iii]

Apesar das perspectivas de aumento no preço da energia elétrica para 2026, é fato que a queda significativa dele nesta década tem provocado mudanças estruturais na geração e cogeração à biomassa uma vez que já não é tão atrativo como foi na década passada quando ultrapassou a barreira dos R$500,00 por MWh, enquanto, atualmente, patina-se em torno de R$200,00 – bem abaixo do breaken eaven point da geração e, em certas condições, até da cogeração -. Situação que suscinta discussão sobre o futuro da biomassa como fonte de eletricidade.

Embora a perda de competitividade da biomassa para cogeração, o seu emprego nas caldeiras para produção de vapor é condição sine qua non para os segmentos das indústrias de transformação como as têxteis, bebidas, papel e celulose, painéis de madeira (MDP e MDF), alimentícias, frigoríficas e algumas químicas. Mas, em que pese esta indiscutível viabilidade no vapor, no entanto, para cogeração, faz-se avaliar a viabilidade econômica de um plus de biomassa para tal.

Transporte de biomassa. Imagem: crédito Mais Floresta.

Para os segmentos industriais que dependem da compra de biomassa full time ao longo do ano para vapor, como os das têxtil, bebida e alimentícia, e a de reciclagem de papel, infelizmente, o custo do MWh cogerado está maior que a tarifa elétrica no PLD (Preço da Liquidação das Diferença).

Mesmo nos casos em que a empresa possua resíduos próprios numa parte do ano, não tem compensado a aquisição de biomassa para cogeração. Vide a indústria sucroalcooleira, outrora maior produtora de eletricidade a biomassa, hoje só cogera enquanto há bagaço dado que não tem viabilizado na entressafra a compra de outras fontes como o cavaco devido ao valor dele posto usina e nem de resíduos agroindustriais gratuitos em razão do frete.

Entretanto, um caso excepcional em que a cogeração possa ocorrer o ano todo independentemente do valor do MWh é o das caldeiras de biomassa das indústrias de celulose e painéis de madeira (MDP e MDF), haja vista a quantidade de resíduos florestais no campo. Porém, no caso das de celulose, inexplicavelmente elas tem estado ociosa conforme matéria (https://www.maisfloresta.com.br/exclusivo-a-biorrefinaria-e-o-fim-do-porno-florestal/) consumindo um volume mínimo de cascas – 1,5 a 3% do volume total dela – que chega nas fábricas aderidas aos toretes do processo industrial. Algo que poderia ser otimizado se as empresas mudassem o sistema de corte de toretes (Cut to Length – CTL) para o de fustes (Full tree – FT), transferindo o descascamento do campo para o pátio industrial.

Embora muito se perca com casca e madeira no campo com o CTL, que se aproveitaria no FT, é fato que se transferisse o descascamento e o traçamento para o pátio não haveria necessidade de empregar o CTL, dado o baixo rendimento e alto custo operacional dos harvesters e forwarders no CTL em relação aos feller-bunchers e skiders no FT.

Considerando que o custo operacional da madeira posto fabrica do FT é 50% menor que o do CTL é provável que as novas indústrias de celulose já iniciarão com o FT e as já instaladas que não migrarem para ele, até porque o CAPEX na aquisição dos harvesters e forwarders é estratosférico, poderão fazer um mix de CTL com o FT, brincando de lego da seguinte forma: usar o harvester para o corte, desgalhamento e destopamento das árvores, evitando os descascamento e traçamento que são operações que ocupam boa parte do ciclo operacional deste com isso reduziria o tempo do ciclo e, consequentemente, o seu custo operacional. Como não haveria o traçamento no campo, os feixes dos fustes poderiam ser arrastados pelo skidder. Apesar de paliativa, esta é uma alternativa interessante já que o feller-buncher desperdiça muita serragem no corte em função da espessura do instrumento de corte (Foelkel).

A vantagem deste sistema misto em relação ao FT genuíno é que não haveria necessidade da garra traçadora, apenas a própria carregadeira do CTL, além de manter a galhada e a copa das árvores no talhão em vez de na estrada, contribuindo com a reciclagem dos nutrientes. Com isso, aproveitando-se das maquinas do CTL, tem-se que nem tudo é o fim e nem que a serragem esteja perdida, tenha fé no fuste, tenha fé no full tree. Teste outra vez. Se é de biomassas que se vive a ígnea.

Assim, se a cogeração e a biorrefinaria na indústria de celulose e de painéis incitam alterações no sistema de colheita e extração florestal dado o aproveitamento das cascas, também incitarão no transporte mudando de toretes para fustes em função do aproveitamento das serragens e pós-de-serra com o seccionamento ou traçamento na fábrica.

Desta forma, cabe comparar o transporte da madeira em fuste em vez de toretes de modo a identificar quais veículos transportadores a serem usados e confrontá-los, técnica e economicamente, com os tradicionais bitrens, tritrens e rodotrens. Em tempo não se discute sobre alternativas de veículos no modal do transporte de madeira, apenas sobre peso para diminuição da tara (com o perdão das obscenidades) dos semirreboques. Então, muito pode se investigar não só no sistema de colheita, mas no de transporte, dada a possibilidade de substituir conjuntos de semirreboques (bitrem, tritrem ou rodotrem) por um semirreboque telescópicos ou extensivos em comprimento total conforme permitido pela legislação de trânsito sem a necessidade da Autorização Especial de Trânsito (AET) que possibilitou as carretas cegonhas terem até 23 metros de comprimento.

Ainda que os veículos mais articulados (bitrens, tritrens e rodotrens) sejam mais favorecidos por menor arrastes das rodas dos últimos eixos em relação aos semirreboques compridos, mas nas rodovias que trafegam cegonhas, trafegam tais semirreboques com as vantagens de que a composição de apenas um semirreboque possa levar o mesmo volume de madeira que o tritrem e também de que nas viagens vazias o semirreboque possa voltar sobre o cavalo-mecânico contribuindo para melhorar o trânsito nas rodovias ao diminuir o comprimento de quase 30 m dos tritrens para até 5 m do cavalo-mecânico. Com isso, reduziria o tempo do ciclo do transporte ao aumentar a velocidade média da viagem vazia.

Considerando que tanto na fábrica quanto na floresta têm as máquinas para descarga e carga da madeira, respectivamente, estas poderiam realizar a operação de colocar e retirar o semirreboque do cavalo-mecânico. Para ser mais arrojado ainda, poderia trocar os pentatrens e hexatrens pelos off-roads com um semirreboque e mais um dolly – tipo os usados para transporte de cargas extra pesadas e indivisíveis – com semirreboque extensivo ou telescópicas onde o céu será o limite para altura, peso e volume da carga de fustes.

Tão importante como levar as cascas para o site industrial é não desperdiçar as serragens e pós-de-serra no campo e usá-las para queimar nas caldeiras de biomassa ou, melhor ainda, num equipamento de pirólise rápida (fastpirolise) dado se perder, segundo o meu amigo FOEKEL (2007) em torno de 0,2 a 0,3% do volume devido ao seccionamento em toretes no campo pelo harvester e feller-buncher, que daria até 1 m3/ha de resíduo a ser convertido em biogás, biochar e bio-óleo. Se triturarem estes resíduos para diminuir e homogeneizar suas granulometrias e secarem a 7% de umidade, estes se transformarão em bio-óleo que a R$3,50/lt renderia, numa indústria de 2.5 milhões de tonelada de celulose (Tsa), a cifra anual de R$43,75 milhões ou US$7,54 milhões (taxa cambial de US$1,00/R$5,80).  

Mais que o retorno econômico é o ambiental pela substituição do combustível fóssil óleo BPF tanto pelo bio-óleo que, se refinado, transformaria num biodiesel substituto do diesel consumido pelas máquinas e veículos, quanto pelo syngás no forno de cal das indústrias, tornando-as 1110% sustentável. Isso para um pó-de- serra e uma serragem que pouco contribuem ambientalmente como resíduo no campo comparado com o ganho ambiental ao serem transformados em energia nas caldeiras ou biochar, syngás e bio-óleo na fastpirolise.

Se, conforme https://www.maisfloresta.com.br/exclusivo-a-biorrefinaria-e-o-fim-do-porno-florestal/,  com o descascamento dos toretes no site da indústria possibilitou via substituição do CTL pelo FT uma economia de aproximadamente US$25,00/tsa, os cálculos demonstram que ela possa chegar a US$30,00/tsa em se seccionando os fustes também no pátio da fábrica.  

Enfim, in Fuste we Trust.


[i] Professor Titular do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (DEF/UFV), valverde@ufv.br.

[ii] Professor efetivo do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (DEF/UFV), mmd@ufv.br.

[iii] Químico (UFES), Mestre (UFES) e Doutor em agroquímica (UFV) e Pós-doc em Ciências Florestais, tiago.g.guimaraes@ufv.br.

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