“Conhecer a taxonomia botânica destas espécies e seus aspectos silviculturais é decisivo para tornar a bebida mais genuína do Brasil globalmente competitiva”, diz gestor de projetos que financiou estudos sobre a atividade no país
Embora não haja um marco único que aponte o “começo” exato da silvicultura tanoeira como uma atividade organizada no Brasil, pode-se dizer que ela se desenvolveu mais significativamente nas últimas duas a três décadas, à medida que a indústria de bebidas se profissionalizou e a consciência sobre a sustentabilidade e a qualidade da matéria-prima (a madeira) aumentou. Produtores e pesquisadores têm investido em plantios de espécies nativas com potencial para a tanoaria, como bálsamo, jequitibá e castanheira e freijó, buscando atender a essa demanda crescente de forma sustentável.
Em um cenário de crescente valorização de produtos regionais e da sustentabilidade, a produção de madeiras específicas para barris e tonéis, emerge como um nicho de crescente importância. Representa não apenas uma oportunidade econômica, mas também um caminho promissor para valorizar e proteger a rica biodiversidade florestal do Brasil, mas que ainda passa por algumas lacunas.
De acordo com especialistas e estudiosos da área, é necessário incentivar o plantio de espécies adequadas para tanoaria no país, com ciclos de crescimento que permitam o uso da madeira no tempo certo, garantindo a disponibilidade futura.
O geógrafo e gestor de projetos ambientais Fernando Antônio Leite, CEO da startup ‘Roda de Ideias’, participou de um estudo realizado entre 2019 e 2020, em convênio com a UFMG para a análise de um conjunto de amostras de tonéis e barris, além do ‘Projeto Florestas Tanoeiras’, que se refere ao plantio de 3 miniflorestas comerciais e experimentais, em Minas Gerais.
Segundo Fernando, o estudo tem o objetivo de: “Identificar quais são as espécies botânicas que têm vocações para agregarem valor às bebidas alcoólicas, especialmente à cachaça. Os setores tanoeiro e cachaceiro se orientam apenas pelos nomes populares, de forma que você nunca sabe realmente de qual espécie está se falando. Inclusive em muitos casos se constatou espécie totalmente diferentes das informadas nos rótulos”.
“Assim, o principal intuito é orientar os plantios, ou seja, plantar realmente as espécies que têm esta aptidão. Exemplo clássico disso é comprar mudas de mexerica pokan em “viveiros móveis”, sediados em caminhões. Depois de alguns anos descobre se tratar de um limão qualquer. Este não é um problema apenas do setor tanoeiro, mas de todos que têm a madeira como matéria prima ou insumo, como a construção civil e a movelaria, por exemplo. Principalmente nas últimas décadas, com a escassez de madeiras e exigências legais as “substituições” por novas madeiras, mas mantendo os mesmos nomes ficaram mais comuns”, conclui.
Confira no PDF abaixo, um dos laudos obtidos através do projeto para identificação das amostras coletadas.
Nesse contexto, o Prof. Dr. Benjamim Mendes, aposentado da UFV e então diretor técnico da www.anpaq.com.br coordenou a publicação de uma lista acadêmica envolvendo estas espécies.
Principais regiões produtoras
No Brasil, as principais regiões tanoeiras concentram-se nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, conforme apontado em um levantamento feito em 2024. Os dados correspondem a tanoarias que se especializam na produção de barris com madeiras nativas, embora a escala ainda seja menor comparada às que utilizam carvalho importado.
Em Minas Gerais, há plantio experimental e comercial na Fazenda Escola Cana Brasil, Itaverava (www.canabrasil.com.br), iniciado em 2020, por meio de três mini florestas com 15 espécies plantadas. Atualmente, também há no estado, aproximadamente plantios de 1 hectare, nas seguintes propriedades:
- Cachaça Flor das Gerais, Felixlândia
- Cachaça Salinas, Jaíba
- IFNMG Salinas, Salinas
Este ano foi iniciado um plantio em Tocantins, vinculado à Cachaça Dom Porfírio.
Madeiras mais indicadas
Segundo especialistas, na tanoaria as madeiras mais recomendadas são aquelas que conferem características desejáveis às bebidas, como sabor, aroma e cor, além de possuírem a porosidade e durabilidade adequadas, e se dividem entre as tradicionais importadas e as promissoras nativas brasileiras.
“Já foi publicada uma lista acadêmica, com base na literatura científica, coordenada pelo Prof. Dr. Benjamim. E há outra que são os resultados de amostras de barris e dornas analisadas, ambas disponíveis nesta publicação. As principais são: Amburana (duas espécies), Bálsamo (3 espécies) e Jequitibá (3 espécies). Freijó, gênero Cordia (2 espécies) é predominante no Nordeste do Brasil, especialmente na Paraíba e Pernambuco. No caso do vinho, no Brasil ainda é pouco incipiente, principalmente com madeiras tropicais. Mesmo assim, ainda prevalece a hegemonia do Carvalho”, informa Fernando.
A preferência pelo carvalho
Na tanoaria, o carvalho é a madeira preferida para a fabricação de barris, devido às suas características que influenciam significativamente o sabor, aroma, cor e estrutura de bebidas como vinhos e destilados. Existem diferentes tipos de carvalho, e a escolha entre eles depende do perfil desejado para a bebida.
“O nosso benchmarking é o carvalho, gênero Quercus, madeira hegemônica e milenar para envelhecimento de bebidas, principalmente por causa do uísque, a qual é cultivada na Europa e nos EUA. Napoleão Bonaparte iniciou os plantios na França, com fins bélicos. Felizmente não fez sentido e a indústria de bebidas se apropriou da madeira. Conhecer a taxonomia botânica destas espécies e seus aspectos silviculturais é decisivo para tornar a bebida mais genuína do Brasil globalmente competitiva”, explica Fernando.
Os desafios atuais
A silvicultura tanoeira no Brasil, focada na produção de barris para bebidas, está em um estágio de desenvolvimento e reconhecimento crescente, especialmente impulsionada pelo setor de cachaças e pela busca por diferenciação em outras bebidas como cervejas artesanais e vinhos. No entanto, ainda enfrenta desafios significativos para atingir seu pleno potencial e sustentabilidade. Para o geógrafo e gestor Fernando, se destacam:
- Cultura de curto prazo – Quando estamos falando de um processo intergeracional, a exemplo do Carvalho na Europa e EUA: as gerações atuais estão colhendo hoje o que gerações anteriores plantaram; e não só colhendo, também plantando para as gerações futuras. Estão num ciclo virtuoso, ao passo que ainda estamos num ciclo vicioso, sustentando apenas no desmatamento, legal e/ou ilegal, e não estamos incomodados com isto.
- Falta de fomento e políticas públicas capazes de mobilizar investidores para perceberem o potencial deste segmento – Em Minas Gerais há inclusive legislação do início deste século prevendo isto, mas não saiu da gaveta.
- Oferta de mudas confiáveis e um mínimo de seleção genética – O fato de se tratar de espécies ainda selvagens para a silvicultura também é um empecilho, pois os plantios tornam se inevitavelmente muito desuniformes, o que pode ser até capitalizado a favor, mas precisamos de estudos e pesquisas para isto, o que ainda não há.
Silvicultura a legalidade e o fomento
O aumento da demanda por bebidas envelhecidas em barris de madeira sustentável pode impulsionar toda a cadeia produtiva a se tornar mais responsável e a buscar as certificações necessárias. A Silvicultura é fundamental para o país, pois não só impulsiona a economia com a produção sustentável de madeira, celulose e energia, mas também desempenha um papel crucial na conservação ambiental, no sequestro de carbono e na proteção da biodiversidade, garantindo um futuro mais verde e próspero para o país.
Desde o pequeno produtor ao grande, importam e fazem a diferença, tornando a atividade atualmente, um dos principais pilares da economia brasileira.
O silvicultor Renato Caporalli cultiva nativas e também exóticas desde 1986 – tendo hoje cerca de 50 hectares –, em Campos Altos (MG). Em uma época que não existia nenhuma segurança jurídica para o plantio de nativas, em função dos riscos dos sistemas ambientais se apropriarem e não permitirem colher no futuro, ele acreditava e tinha como premissa a regularização da atividade.
“Eu era um acadêmico otimista com a evolução da normativa legal brasileira. Depois, ali, pelos anos 2000 até quase 2020, cheguei a temer que estivesse errado na previsão para o futuro do país, e que nós fôssemos no sentido da irracionalidade da normativa legal. Cheguei a temer por isso. Mas tenho ficado de novo otimista. O último governo mostrou que, com um pouco de esforço e boa vontade, a normativa ambiental pode ficar mais fluida, dando mais confiança em quem quer investir”, lembra Renato.
“Sobre mercado, comecei a vender madeira nobre apenas no ano passado. Até o ano passado, esperei pela sua maturação. Agora estou na fase do desbaste. Tenho vendido a madeira para marceneiros. Ainda conheço muito pouco do mercado de madeira, minha escala é pequena o que não contempla a demanda de grandes empresas moveleiras, mas tenho conseguido vender o que produzo. Se produzisse mais, sinto que poderia vender mais. Madeira boa é um produto escasso”, destaca.
Em um cenário onde a pressa muitas vezes dita o ritmo, a visão de um proprietário rural se destaca. Para Renato, o investimento em silvicultura é mais que um negócio; é um compromisso com o futuro.
“O que me motivou a investir no plantio de árvores de madeiras nobres, nativas e exóticas, foi em primeiro lugar a vontade de deixar para meus filhos uma terra mais bem cuidada do que recebi como herança. A segunda razão foi acreditar que isso me proporcionaria no futuro uma velhice economicamente segura, pois como economista, sabia que o valor de bens escassos tende a crescer – e supus que, como a maior parte dos investidores investem no curto prazo, pensei que meu investimento em bens de muito longo tempo de maturação tenderia a ficar cada vez mais escasso no mercado. Apostei nisso. E a fazenda fica linda, todo mundo trabalhando com afinco mas com calma. O lema da fazenda é “slow farming, good living”, conta sobre suas premissas.
Para saber mais sobre o Projeto de Identificação das Madeiras de Tanoaria, e sobre o cultivo das ‘árvores das cachaças’ envie e-mail para fernando@rodadeideias.com e siga no Instagram
@roda.de.ideias.
Escrito por: redação Mais Floresta / Imagem destaque: Getty Images/kimrawicz.