Conheça a Bioindústria Florestal de Portugal Que Exporta para 130 PaísesGonçalo Almeida Simões, da Biond, representante do setor em Portugal, diz que a floresta é responsável por 13,5 mil milhões de euros em volume de negócios no país
A Floresta Portuguesa ocupa 3,2 milhões de hectares, o que corresponde a 36% do território luso. Esse setor é responsável por 13,5 mil milhões de euros em volume de negócios no país, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE). Empresas de papel e bioenergia, como Altri, DS Smith, Renova e The Navigator Company fazem parte da Biond, uma associação que representa essa bioindústria. Em entrevista à Forbes Portugal, Gonçalo Almeida Simões, diretor-geral da Biond, destaca o papel da entidade.
Segundo Simões, além da importância econômica, essa cadeia se posiciona como estratégica para a coesão territorial em regiões do interior e áreas rurais. Ele completa que, por meio das empresas que integram a entidade, são transferidos, por ano, cerca de 325 milhões de euros (R$ 1,7 bilhão) diretamente para a economia rural dos 18 distritos do continente, evitando o êxodo rural e contribuindo para a geração de empregos e desenvolvimento local.
Qual é o papel da Biond na representação das empresas da cadeia da fibra e celulose florestal?
A Biond é um porta-voz do setor das bioindústrias de base florestal, que representa cerca de 5% do PIB nacional e 10% das exportações portuguesas. Só por esses números, percebemos o papel central do setor, ao evidenciar sua relevância não apenas como motor econômico, mas como um pilar estrutural da balança comercial do país.
Junto a tomadores de decisão empresariais e políticos temos o objetivo de demonstrar que a cadeia do eucalipto, por exemplo, tem sido responsável pela fixação de comunidades e pela criação de emprego e riqueza em regiões particularmente desfavorecidas, o que resulta em elevado impacto na coesão territorial.
Além da dimensão econômica e social, também buscamos transmitir uma visão mais abrangente, que mostre a importância das florestas no contexto ambiental, ao sequestrar carbono da atmosfera e mitigar os impactos das mudanças climáticas. Uma gestão sustentável das florestas evita desastres, desde os incêndios florestais à erosão do solo e à escassez hídrica.
Como a Biond avalia a importância da bioindústria florestal no panorama nacional?
Nossa avaliação é muito positiva. Em 2023, o setor de celulose, papel e papelão alcançou um volume de exportações de 3,1 bilhões de euros (R$ 16,7 bilhões), diante de importações no valor de 1,4 bilhão de euros (R$ 7,8 bilhões). Ou seja, exportamos mais que o dobro do que importamos, mantendo um saldo comercial altamente positivo, com as exportações sendo 2,1 vezes superiores às importações. Esse desempenho continua sendo essencial para mitigar o tradicional déficit da balança de bens portuguesa.
E o impacto é apenas econômico?
Não. Essa é uma cadeia estratégica para a coesão territorial. Por meio das empresas que a integram, são transferidos anualmente milhões de euros diretamente para a economia rural dos distritos do continente. Esses resultados confirmam a importância do setor como uma bioindústria do futuro, sustentável, exportadora e enraizada no território.
Em 2023, o setor florestal alcançou um volume de exportações de 3,1 bilhões de euros
Quais são os principais desafios e oportunidades que essa indústria enfrenta hoje em Portugal?
Existem oportunidades de crescimento em termos de produtos de nova geração, mas o grande desafio, no momento, é a matéria-prima. Não porque não tenham áreas suficientes em Portugal, mas porque ela está limitada, do ponto de vista legislativo. Isso diz respeito a novas plantações, porque o desmatamento que está sendo realizado não está sendo compensado por novas áreas que permitam à indústria depender exclusivamente da matéria-prima nacional. Há muitas áreas florestais abandonadas e sem sinais de manejo em Portugal, que precisam de incentivos públicos. Do ponto de oportunidades, o setor florestal deve continuar a gerar empregos e a fomentar a bioeconomia.
Qual o volume de investimento realizado no setor?
A Biond, entre 2019 e 2025, já investiu 20 milhões de euros (R$ 108,2 milhões), beneficiando quase 100 mil hectares e 10 mil produtores florestais. Mas, para ampliar esse esforço em escala nacional, replicando o sucesso desses programas, é necessária a intervenção do Estado. O governo tem declarado considerar fundamentais os serviços de ecossistema gerados pela floresta, identificando o bom manejo como peça essencial para a resiliência aos incêndios.
Para isso, é preciso trazer mais valor econômico para a floresta, por meio da gestão ativa de proprietários que muitas vezes abandonaram suas terras. O potencial de uma floresta com três milhões de hectares em Portugal, mas em que apenas uma pequena parte apresenta sinais de manejo, requer sinergia entre o setor público e privado.
A Biond já apresentou diversas propostas nesse sentido. Essa é uma das nossas principais motivações, que nos faz trabalhar de norte a sul do país, durante todo o ano, para demonstrar a tomadores de decisão e proprietários que é possível avançar, bastando replicar o que já é feito pelos programas operacionais. Esses são exemplos comprovados de boa gestão, com operações florestais que vão desde a limpeza à adubação, correção de densidade e reflorestamento. Sem políticas públicas eficazes, a floresta não poderá continuar sendo um motor de desenvolvimento sustentável.
De que forma a cadeia da fibra e celulose florestal contribui para o desenvolvimento das comunidades locais?
Essa indústria gera uma cadeia de valor completa, que abrange desde o plantio de árvores até a exportação do produto final. Trata-se de uma cadeia bastante integrada que, ao longo dos anos, tem abastecido Portugal com produtos renováveis, além de exportar para mais de 130 países.
A cadeia é um pilar fundamental da nossa bioeconomia. Quando os recursos da floresta são devidamente manejados, gera valor econômico e ambiental. O crescimento sustentado do setor é a prova concreta do trabalho de excelência das empresas nacionais, com foco em inovação e sustentabilidade.
Há um impacto social importante, certo?
Sim. Uma economia rural, local, formada por inúmeras comunidades, produtores, madeireiros e agricultores, depende diretamente dos recursos florestais para sua subsistência e cultura. E, ao promover um manejo sustentável, garante-se a essas populações meios de vida dignos.
Existem estratégias específicas para reforçar o emprego e a qualificação profissional no setor?
Temos o compromisso de unir esforços e iniciativas entre associadas, parceiros e demais interessados em impulsionar a bioindústria florestal. Desde já, cabe a nós divulgar as áreas profissionais nas quais o setor tem mais carência. Dou como exemplo a engenharia florestal, uma profissão que raramente é destacada, mas que oferece desafios extraordinários.
Em março, participamos da Futurália, evento de referência para sensibilizar o público nesse sentido. E percebemos grande interesse e adesão, com preocupação em buscar alternativas às áreas tradicionais, que já estão sobrecarregadas.
Outro projeto que vale destacar é o Advance Forest, uma iniciativa dedicada a capacitar operadores de máquinas florestais, de diferentes regiões, para qualificar e atualizar competências que lhes permitam atender às demandas do setor.
Esse projeto tem dois pilares principais: tecnologias avançadas nas operações florestais e boas práticas na gestão de uma floresta sustentável. Estudantes que buscam oportunidades de emprego garantidas e especialistas que querem novos desafios têm nas bioindústrias uma escolha certa, já que atualmente a oferta de vagas supera a demanda, sendo que a tecnologia e a sustentabilidade são componentes essenciais dessas carreiras.
Como a Biond promove práticas sustentáveis na gestão florestal?
O futuro do país depende de como tratamos nossos recursos naturais hoje. Esse é um dos grandes desafios que assumimos. A floresta é um ativo essencial para garantir um futuro próspero e equilibrado. Em Portugal, onde os biomas florestais representam 36% do território nacional, enquanto as cidades ocupam apenas 5%, o manejo inteligente desses recursos pode impulsionar a economia e garantir bem-estar às próximas gerações.
Queremos transmitir a mensagem de que a floresta é um ativo estratégico que, quando gerido com responsabilidade, pode garantir prosperidade econômica, equilíbrio ambiental e justiça social. Dito isso, é necessário que o compromisso com a sustentabilidade seja, de fato, incentivo para a implementação de políticas públicas eficazes, por meio do estímulo à bioeconomia e da promoção de uma cultura de preservação e uso consciente da floresta.
A floresta fornece matéria-prima de origem natural e renovável
O setor enfrenta desafios relacionados a incêndios florestais e à biodiversidade. Quais medidas estão sendo adotadas para garantir a resiliência das florestas?
Reconhecemos plenamente os desafios cada vez maiores impostos pelos incêndios rurais e pela necessidade de preservar a biodiversidade. Diante dessa realidade, nossos associados vêm implementando uma estratégia integrada para aumentar a resiliência das florestas. Uma floresta plantada e manejada tem resistência muito maior ao fogo. Sabemos que essa área, beneficiada pelos programas operacionais, é quatro vezes mais resistente ao fogo do que uma floresta sem intervenção.
Em primeiro lugar, investimos em um manejo baseado em dados científicos e tecnologias digitais, que nos permite monitorar em tempo real o estado das áreas florestais e antecipar riscos. Por meio de sistemas de alerta precoce e do uso de inteligência artificial, conseguimos agir preventivamente contra incêndios.
Em segundo lugar, há investimento na diversificação das espécies e no aprimoramento das variedades mais adaptadas às novas condições climáticas. Como essa já é uma realidade e as secas se tornaram constantes, e considerando nossa proximidade com o continente africano, é fundamental termos florestas adaptadas aos desafios climáticos.
Além disso, existe uma colaboração estreita com comunidades locais, órgãos públicos, associações e centros de pesquisa. Apenas uma abordagem conjunta permite enfrentar ameaças complexas como as mudanças climáticas. Nossa visão é clara: florestas saudáveis e produtivas são essenciais não apenas para o setor, mas para o bem-estar ambiental e social de todo o país. A floresta gera bens públicos e, por isso, deve ser alvo de investimento público.
O que se espera para a evolução da cadeia da fibra e celulose florestal nos próximos anos?
A disponibilidade de matéria-prima é condição essencial para que a cadeia da fibra e celulose florestal continue se afirmando como um setor estratégico para uma economia mais circular, descarbonizada e voltada à bioeconomia, ao combinar produtividade, sustentabilidade e forte enraizamento no território. Nos próximos anos, se for garantido o abastecimento nacional, esperamos uma evolução sustentada, alavancada por três grandes vetores: inovação, sustentabilidade e internacionalização.
De que forma isso será possível?
A floresta fornece uma matéria-prima de origem natural e renovável que, além de capturar carbono, permite produzir soluções sustentáveis para substituir materiais de origem fóssil, como plásticos e derivados do petróleo. Produtos à base de fibra florestal, como embalagens, têxteis ou biomateriais, já são alternativas viáveis e competitivas para diversos setores.
Além disso, essa é uma cadeia com forte integração na economia circular. Todos os subprodutos do processo produtivo são valorizados, seja como energia renovável ou matéria-prima para outros setores. E apostamos continuamente na eficiência energética, no reuso de água e na redução de resíduos.
A transição energética e as exigências ambientais cada vez maiores por parte de consumidores e reguladores estão acelerando o investimento em processos de produção mais eficientes e com menor pegada de carbono. A indústria nacional já tem se destacado nesse campo, e acreditamos que continuará na linha de frente da inovação sustentável. Também vemos potencial para fortalecer nossa competitividade internacional.
O setor de celulose e papel já é um dos principais exportadores portugueses e tem todas as condições para crescer com base em valor agregado, tecnologia e gestão responsável dos recursos. Paralelamente, essa cadeia impacta diretamente o ordenamento do território e o manejo sustentável das florestas, contribuindo para a resiliência dos ecossistemas e para a prevenção de riscos, como os incêndios. É uma forma concreta de conciliar desenvolvimento econômico e conservação ambiental.
A bioeconomia está ganhando relevância globalmente. Como Portugal pode liderar nessa área?
Portugal pode e deve se posicionar como referência europeia na bioeconomia florestal. Temos os recursos, o conhecimento e o compromisso. Cabe a nós transformar esse potencial em liderança concreta, com impacto econômico, ambiental e social duradouro. E
Em primeiro lugar, devemos assumir um papel cada vez mais central na resposta global aos desafios das mudanças climáticas, da escassez de recursos e da necessidade de transição para modelos econômicos mais sustentáveis. Portugal tem condições únicas para exercer essa liderança.
Existem recursos para alcançar esse objetivo?
Primeiramente, contamos com uma base florestal robusta, renovável e bem manejada, que fornece matéria-prima com grande potencial de valorização. A cadeia da fibra e celulose florestal é um excelente exemplo de como transformar recursos naturais em produtos de alto valor agregado, com baixo impacto ambiental e aplicação em diversos setores.
Além disso, Portugal possui um ecossistema industrial e científico cada vez mais preparado. A colaboração entre empresas, centros de pesquisa e universidades é essencial para o desenvolvimento de novos produtos, processos e modelos de negócio baseados na bioeconomia. Há investimentos claros nessa integração, promovendo inovação aberta e projetos de pesquisa e desenvolvimento em áreas-chave.
Liderar nesse campo exige visão estratégica e políticas públicas que reconheçam o valor das cadeias de base florestal, desde o investimento em tecnologia e capital humano até a valorização do território rural, onde muitos desses recursos estão.
Informações: Forbes.